terça-feira, junho 17, 2008

Persepolis (2007), Vincent Parounnaud & Marjane Satrapi


Há filmes que nos conseguem pôr de bem com a vida. Este é um deles. (reparem na clichezice desta primeira linha. Vêem, eu sempre disse que demasiados filmes noir nos derretiam o cérebro…)

Na era da animação por computador, após a Pixar ter provado que as personagens virtuais podem ter o carisma de um Timon & Pumba ou de um Jack Sparrow (a referência à Disney é tudo menos inocente…), eis que surge uma animação 2D, tradicional, iraniana e, deuses!, na maioria do tempo na gama do preto e branco. E não é uma história para criancinhas…

Marjane Satrapi conta a sua biografia de uma maneira mais do que original, adaptando a sua bd ao grande ecrã. Desde os seus tempos como criança inocente fanática de Bruce Lee com pretensões a profeta, até uma pequena fase comunista, a revolução iraniana, as burcas, o ser uma rebelde numa ditadura (Iron Maiden! Yehhh!), ir para a velha Europa estudar, apaixonar-se, desapaixonar-se, ser niilista, existencialista e os outros –ista quase todos, querer morrer por amor, voltar – mas haverá ainda sitio pra voltar?)

A primeira grande qualidade do filme é que nunca, mas nunca, entra numa de dramatismo idiota (aka música de John Lennon e WTC a cair), ou mesmo em decidir quem tem razão, quem não tem, ou mostrar como o Irão é mau, etcec. Não temos nada disso. Temos sim uma maturation story muito bem humorada, que não esquece contudo o contexto à sua volta. Sim, é de Marjane que se trata, mas também é o Irão que lá está.

A segunda grande qualidade do filme (tão bom ver um filme em francês que de francês não tem nada, no sentido pejorativo da coisa) é que aprendemos imenso sobre que raio se passou no Irão nos últimos tempos. Pedaços negros sobre as manápulas dos EUA na coisa incluídos (como é que isto foi nomeado? A Academia consegue ser mais anti-americana do que nós ou escapou-me alguma coisa?). Ficamos com um contexto histórico upa upa e nem nos apercebemos. Se todas as aulas fossem assim…

Terceiro: A animação! O traço! O preto, branco e cinzento! O abstraccionismo ou simbolismo ou como lhe queiram chamar!

Quarto. (fazer assim resulta melhor do que: depois, depois, e depois, também,…) Banda sonora. Música iraniana – aliás, música com laivos de iraniana – e a boa música ocidental (sim, é discutível, depende dos gostos… calem-se). Nunca o ‘The Eye of The Tiger’ teve tanto estilo.

Tanta, tanta coisa boa…. Grande cena para mim: toda a sequência em que Marjane se apaixona por aquele pretenso futuro escritor, um anjo na terra, em que vemos o carro a voar, a natureza lindíssima, et cetc. E depois de ela descobrir a traição – bem, o rapazinho até os dentes tem de fora. Claro, a sequência em que Marjane resolve sair da depressão e ir para a Universidade. (tam tam tam tam tam tam tam tam tam tam!!!!!) – sim, é uma cena muito girl power, porque é que acham que eu adorei?

Coisas más? Não haver mais. Buáááá.

Uma rapariga perdida entre culturas… idealismos, pragmantismos… aaaaahhhhh

No fundo, a coisa ideal para percebermos que os seres lá do Médio Oriente são tão pessoas como nós. Ai sim? Sim. Até ouvem Iron Maiden e tudo…

sábado, junho 07, 2008

The Other Boleyn Girl (2008), Justin Chadwick


Tanto, tanto tempo há espera deste filme... arrrrghhh. Um filme sobre a época Tudor não realizador pelo Kapur... sim, sim, sim!!!

Ou não?

A verdade é que é muito complicado agadar-me nestas coisas, eu, que consumo tudo o que cheira remotamente a ruffs e collants. E quando dão na televisão séries do gabarito de Elizabeth com Helen Mirren (que além da I intrepretou a II, a mulher corre as Bessies todas) ou mesmo Os Tudor (que só vi depois, e não sei se não tem um toque modernaço demais…), fazer um filme sobre a coisa é arriscado…

A história centra-se no namorico de Henry VIII com Mary e depois Ann Boleyn, respectivamente interpretados por Eric Bana, Scarlett Johansonn e Natalie Portman. Ora, o que é novidade em termos de representação histórica, deixem-me já informar-vos, é: Henry VIII como alguém humano; Mary Boleyn sem ser uma putinha. De resto, segue as mesmas linhas gerais de milhares e milhares de recriações anteriores.

Como cinema (falando de termos técnicos, peço desculpa a quem não gosta destas partes, passe à frente e pense que podia ser pior, já que ando a aprender a analizar música erudita contemporânea e que bom que era pôr aqui partituras e falar de clusters e trítonos e serialismo integral e ninguém me acusaria de ser uma tecnicista… sim, o cinema é uma técnica e uma arte, não é só a história que interessa…[1]), é fraco, muito fraquinho – se nas primeiras vezes pensamos que é muito original fazer a transição de cena, ou fade, através de um travelling horizontal para as sombras e saindo das sombras, à décima quarta vez já é saturante. E não há muita exploração de widescreen, nem de imponência visual, nem mostrar os belíssimos figurinos (óptimo trabalho de ?) em todo o seu esplendor de cor – sim, um filme interessantíssimo a nível cromático, como j+a deixava adivinhar pelo poster. Isto tudo para dizer que o que o senhor Kapur tem a mais, aqui há de menos, e sentimos a falta da qualidade épica da coisa (se bem que é uma historieca de índole íntima, passada por baixo de lençóis e atrás de paredes secretas, mas bolas, é o Henry VIII, vamos lá reforçar essas cavalgadas…

Mas palmas para o sentido pouco pudico do filme (não, não estou a ser irónica) – nunca num filme desta época ouvi falar tanto de menstruação, e partos, e gosma, e etc etc etc. Fluidos, para resumir. (entretanto vi The Baby of Mâcon do Greenaway que põe este a um canto e quero prestar-lhe vassalagem) Realista, visceral, um bom retrato das crendices da época (a parte em que Ann é presa num quarto com grades diz muito da mentalidade tudor…)

O ponto fortíssimo do filme é Portman, no papel da bruxa de seis dedos, aka Ann Boleyn, que mostra um tal rol de manipulações, ambição e sei lá mais quê que é, até à data (e desculpa-me Helena Bonham Carter) a melhor Ana Bolena que já vi. Já Eric Bana, poderosíssimo e frágil nos seus momentos com Mary, mas não me convence como o rei das seis mulheres. E por fim Scarlett, não sei se foi por tê-la visto antes a fazer de Mary Poppins, agora como Mary Boleyn, demasiado type casting, demasiado sonsinha e boazinha para ser verdade. Ou então sou eu, que prefiro ver uma irmãzinha mais velha menos perfeitinha, e boa mãe, e boa esposa, etc etc.

Banda sonora adequada, por Paul Cantelon. Isto é, nada de arrebatador, mas suficientemente evocativa.

Grandes momentos: sem dúvida, quando Ann está prestes a ser decapitada e acredita (porque Henry assim o tinha dito a Mary) que iria ser perdoada. Ups. (não considero isto contar o final porque: 1. Não é o final; 2: qualquer pessoa que saiba o mínimo de história inglesa sabe que Ann Boleyn foi decapitada. Emocionante o momento das criancinhas a correrem no fim, à maneira de prólogo, em que vemos a gloriosa Regina Elizabeth I a correr por entre o trigo, como a sua mãe e tios tinham feito antes dela. Ah, o futuro de Inglaterra, a Golden Age, que profético…

Não se perde nada em ver, se for só para ver um telefilme de época… há coisas piores. Tipo Alvin e os Esquilos. Ou, credo, Haverá Sangue protagonizado por Alvin o Esquilo. O Musical.[2]

[1] Este enorme desabafo tem uma razão específica que não me apetece explicar. Fica como reflexão generalista casual.
[2] Claramente um dos sinais do Apocalipse, referido a seguir ao soar da Quarta Trombeta.. Espero que os malucos dos estúdios (penso sobretudo nos malfadados do Scary Movie ) não saibam português suficiente, senão estamos inquietados e não quero ter esse peso na consciência.

The Nanny Diaries (2007), Shari Springman Berman & Robert Pulcini


Depois da alta qualidade de filmes dos óscares (ou nem por isso), nada como um bom filme inconsequente para voltar ao cinema real americano(aquele que é feito para entreter e não para arrecadar estatuetas douradas). E como começa a ser difícil encontrar alguma coisa que eu não tenha visto ou que queira ver nos cinemas, resolvi dar uma oportunidade a uma maturation story, já que este ano vou acabar o curso e, bem, não sei o que vai ser de mim.

Scarlett Johanson interpreta uma jovem morena (!) que, no fim do seu major em Economia e minor em Antropologia, na entrevista que decidirá o seu futuro numa das empresas mais conceituadas de Nova Iorque, fica com cold feet e deita tudo a perder.

Passeando no parque, olhando para as velhotas, é confundida com uma nanny e contratada como tal pela família X. A jovem vê nisto um presente caído dos céus: pode sair de casa fingindo perante a mãe (uma enfermeira que lutara para lhe dar uma boa educação) que tinha sido aceite na empresa, arranja dinheiro, vai pensando o que quer fazer da vida e aproveita para fazer um estudo antropológico da fauna da zona rica de Nova Iorque.

Dispenso-me de contar as peripécias, mais o romance com um bonzão de Harvard do andar de cima, e moral final que afinal todos devemos seguir as nossas verdadeiras vocações, mesmo que por isso fiquemos desempregados para todo o sempre e mais além.

Johanson a interpretar o papel de uma jovenzinha angustiada... nada mau. Se bem que nada que se compare ao alto nível de uma Rapariga com Brinco de Pérola ou o allenesco nefasto de Match Point... Muito boa a cena que aparece parcialmente no trailler, ela a confrontar um ursinho de peluche com câmara incorporada. Também muito boas as cenas no museu de antropologia, em que ao lado das figuras de cera das tribos – representando os costumes das várias sociedades – aparecem também os nova-iorquinos – lésbicas, executivas, estudantes, tias, e nannies.