quinta-feira, novembro 02, 2006

Rapace (2006), de João Nicolau


Vi este filme na competição internacional do IMAGO, e pude compará-lo com o melhor que se faz a nível mundial por jovens realizadores. Sim, eu sei que ganhou um prémio em Vila do Conde. Sim, esteve em Cannes na Semana dos Realizadores. Sim, se há alguém que não é expert em cinema português (ou mesmo cinema a nível geral) sou eu, que passei a adolescência a ver teen pics e filmes de serial killers. Sei isso tudo. Só não sei porque raio insistem que esta é uma boa obra. A sério. Expliquem-me.

OK, OK, o tema até prometia. Um pouco pseudo, mas temos de dar um desconto porque, afinal, o português é mesmo assim. Pretende dar uma de snob intelectual sem as bases para o ser. Mas o tema não basta para fazer um bom filme. Quer dizer, de boas intenções está o inferno cheio…

No mesmo festival tive a oportunidade de ver um filme de Adam Smith, em animação, chamado The Boy With No Name. E escrevi junto à descrição do fime ‘imitação descarada de Tim Burton’. Ora, este homem é bom, e não me cansarei nunca de dizê-lo. Nunca me desiludiu. Agora, Tim Burton só há um, e é ele. Copiar-lhe o estilo descaradamente sim, de certo modo é uma homenagem, mas não tem valor para além disso. Do mesmo modo que a maioria dos cinéfilos despreza o cinema comercial por não ter marca de auteur (e incluo-me neste grupo – são bons para lavar o cérebro apenas, para distrair, daí a designação recente de cinema pipoca), que podemos dizer de um cinema que imita a marca de auteur de outros.
Ora, quando saí da malfadada sessão, pensei para comigo – ‘ou o tipo está a tentar fazer uma imitação do João César Monteiro, ou julga, coitado, que está a inventar algo de novo’. Conheço a obra do César Monteiro melhor que conheço a do senhor Manoel de Oliveira – sorry! – e até que tem a sua piada estética, embora para mim aquilo não seja bom cinema. Um cinema baseado numa teoria estética, ou num conceito, cinema conceptual, chamemos-lhe assim, é… interessante, mas não é bem cinema. É filmar teses. (é a minha opinião e, como tal, já sabem, não tem qualquer valor whatsoever). Voltando ao João Nicolau, depois de ter espalhado aos quatro ventos o quão mau o filme é, a Lília orientou-me uma entrevista do realizador à Y do Público, edição de 5 de Maio 2006. E, tcharam! O senhor Nicolau tinha montado o último filme do Monteiro, assim como organizado a retrospectiva para a Cinemateca. Experiência prévia na realização: documentário (o rapaz vem da área da Antropologia). Afirma não ser cinéfilo (mas que raio de realizador é este? Ou quer dizer que não tem conhecimentos na área da história do cinema? É que são coisas diferentes. Soa a desculpa…)
O meu grande problema, daí a raiva sobre esta questão, não é ser um trabalho abaixo do razoável (erros de continuação e técnicos num tipo que já fez montagem a nível profissional? Que é isto?), porque, no final de contas, é um primeiro trabalho e nem todos podemos ser o Orson Welles. Tenho a certeza que o rapaz, se continuar por aqui, e parece-me que tem intenções, vai acabar por descobrir um estilo próprio e quiçá, tornar-se uma referência. Agora, engraxar o menino a dizer-lhe que Rapace é formidável, etc, etc… Por favor! E ao ler a reportagem da Y fiquei com sérias dúvidas se o sr. Vasco Câmara tinha visto o filme ou, numa atitude de aluno do secundário, sacado o resumo da net… Ok, numa reportagem sobre um realizador criticar negativamente os seus filmes não faz muito sentido… mas das duas uma – ou pensa o que disse e então discordo dele, ou então dourou a pílula e então pergunto – cadê a honestidade para com os leitores? E um prémio em Vila do Conde? A droga por esses lados deve bater bem!

Mas o que me irrita mais é julgarem que eu não gostei porque não percebi a intenção. ‘É representação teatral, os pormenores técnicos que falham são de propósito!’ Pois, e eu sou a Leonor Teles. O Hugo Leitão –ignoro qual a sua formação na área – é um péssimo actor de cinema teatral. Isto é, é a pior representação teatral no cinema que já vi. Não consegue transmitir a ironia e a alienação dos actores às ordens de César Monteiro. Ah pois, a mim não me vendem gato por lebre. As lebres tem orelhas compridas e não fazem ‘miau’!

Tinha mesmo de gastar o teclado do portátil com isto. São pequenas coisas como esta que me explicam porque é que o cinema em Portugal está tão mal. De um lado, pipocas e coca-cola para os filmes mais vistos de todos os tempos. Do outro, os pseudo-intelectuais que passam a vida a dar palmadinhas nas costas um dos outros, com medo de dizer que o rei vai nu porque podem passar por ignorantes da moda.

Para quando um cinema pós-César Monteiro e pós-Oliveira, pessoal adepto do film d’auteur? E onde estão os filmes comerciais que não roçam as novelas bregas televisivas, cujos lucros estão em directa proporção com o tamanho das mamas da actriz (atroz) principal?

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