terça-feira, abril 10, 2007

300 (2007), Zack Snyder


Depois de ter pregado sem fim contra filmes ‘de coçar os tomates’, advogando um maior respeito para o chick flick como género de qualidade, acusando os filmes da história do cinema serem quase sempre de homens para homens, eis que vou ver o 300, assim, por impulso. Céus, sou uma criatura tããão contraditória.

Mes amis, eu também já tinha ido ver o Sin City e adorei (por acaso ou não, a parte que mais adorei foram os escassos minutos filmados pelo Tarantino, embora na altura não o soubesse…). Ah e coiso e tal, mas isso era pelo interesse estético e cinéfilo, era um filme marcante na adaptação de banda desenhada ao cinema. Ok, talvez.

A verdade é que estou a pensar fazer um trabalho sobre o peplum para uma cadeira, como ele influenciou o studio system e outras coisas históricas e teóricas que não vos interessam minimamente. E, quer dizer, eu adoro a civilização grega. E como ultimamente os filmes passados nessa época têm sido… hum… um bocado ao lado (Alexandre o Grande, Oliver Stone; Tróia, nem me lembro de quem foi o criminoso que realizou) pensei: as histórias do Sin City eram mais que porreiras, revelavam um cérebro por detrás daquilo. Aquele Frank Miller é capaz de ser bom. Buga lá ver o que ele fez à história do Leónidas.


É muito bom.


E estava a pensar acabar a conversa por aqui. Mas o meu ethos não o permite. Deixem-me justificar, então.

O ambiente do filme é totalmente artificial. Tudo cheinho de filtros e efeitos digitais, até as espigas de trigo a abanar ao vento. Os actores masculinos têm tantos músculos que também somos inclinados a pensar que são produzidos digitalmente, mas lamento meus amigos masculinos, vi umas fotos do making of e aqueles músculos são reais.

Tudo é estilizado, num agradável encontro entre banda desenhada (e o cinema tem tanto a aprender com esta arte – até eu estou a pensar começar a interessar-me pela coisa) e uma graciosidade oriental (o que não deixa de ser irónico, num filme em que vemos os ocidentais a dar cabo do coiro aos asiáticos) roubada quiçá a Kurosawa, e utilizada com toda a mestria da slow motion. (enfia esta, Bazin!)

Engane-se quem julga que é só mais uma adaptação de bd ao grande ecrã. 300 grita cinema por todos os pixels. Au au au (para quem não viu o filme, e não se importa de ler um spoiler de vez em quando, este é o grito de guerra espartano.)

E não esqueçamos que não há uma única star neste filme. Sim, nada de Russell Crowes, nem de Angelina Jolies, ou mesmo (argh) Brad Pitts e Orlando Blooms. Meus caros amigos, nada de caras conhecidas. Isso porque o protagonista Leónidas é interpretado pelo escocês Gerald Butler, que ‘vimos’ em… O Fantasma da Ópera (2004, Joel Schumacher)!!! E ele é simplesmente o Leónidas perfeito. A forma arrogante como fala com a boca cheia de maçã enquanto os seus soldados empilham os cadáveres persas… lindíssimo. E Xerxes é interpretado por um brasileiro, Rodrigo Santoro, e não sei se é por isso mas faz lembrar o Ney Matogrosso…

(já repararam que, em Hollywood, os brasileiros são sempre abichanados e os portugueses sempre contrabandistas mexicanos? Quem quer investigar isso em pormenor?)

Nem sei que diga mais. É tão raro eu não ter um segundo de tédio nos filmes que o facto de não me ter aborrecido no intervalo sequer é um óptimo sinal. Ah, antes que me esqueça. Houve para aí uma polémica qualquer sobre Leónidas ser uma metáfora para Bush, a derrotar os orientais um a um etc. Ãh? Foram ver o filme certo, de certeza? Foram ver o filme? A última pessoa em que penso quando olho para Leónidas é em Bush. Aliás, ele é muito mais parecido com Xerxes, o auto-intitulado Senhor do Mundo. Não estou a ver o Leónidas a engasgar-se com um biscoito. Além que ele era Espartano, logo, Europeu. Nós europeus somos frescos, quando provocados.

Vão ver o filme. Quatro euros dos mais bem gastos deste ano, de certeza. Au au au.

Mr. Bean em Férias (2007), Steve Bendelack


Sim, fui ver este filme em vez de ir ver O Labirinto do Fauno… Que querem, há dias em que pura e simplesmente não me apetece ver filmes bons e que ficarão na história do cinema, há dias que são dias de filme-pipoca. Este foi um deles.

É um bom filme-pipoca, sim senhora. Infelizmente, só funciona naquelas pessoas habituadas 1. a toda a mitologia mr. beaniana; 2. ao humor britânico, tão diferente do que estamos habituados na nossa pobre província de Espanha … (entre os espanhóis e Salazar, venham os espanhóis!)

Ora é um filme que prima por não obedecer ao politicamente correcto – goza com a cultura francesa, goza com a indústria do cinema… aliás, interessante pensar que a única cultura que aparece e que é respeitada sem excepção é a russa. Hum… spaseeba.

Rowan Atkinson mais uma vez na personagem que lhe granjeou fama internacional (senti falta do Teddy, onde é que ele andava?), acompanhado de um rapazinho que talvez tenha um futuro glorioso à sua frente (já não ponho as mãos no fogo por ninguém, olhem o Paul Betany a participar no Código da Vinci…) A rapariguinha que quer ser uma actriz reconhecida é engraçada, mas ainda não foi desta que o Mr. Bean arranjou uma namorada… Brutal esteve Wilhem Dafoe, no papel do realizador narcisista ao extremo. Aquele filme idiota, Playback Time, faz lembrar umas coisinhas que se fazem aqui no velho continente (mas ei, nem tudo o que passa em Cannes é assim tão sonífero… espero eu).

Momento de reflexão intelectual – lá esteve o debate película vs. digital. A primeira ainda associada ao prestígio de ser um realizador ‘a sério’, o segundo associado ao experimental, ao amador, etc… Mas tudo é cinema, certo? E, como defensora do digital como evolução lógica do cinema (baixa custos e facilita a montagem), deixo a pequena notinha de rodapé que o Senhor David Lynch – que é o Deus de muitos cinéfilos – rodou o Inland Empire totalmente usando a sua câmara caseira – e adorou. Ah, toma esta, Godard…

Voltando ao filme de entretenimento que é, afinal, o tema deste post, grandes momentos: Mr. Bean a comer marisco, Mr. Bean a dizer Non, Oui e Gracias, Mr. Bean a cantar ópera, Mr. Bean vestido de mulher a tentar entrar no Festival de Cannes, a deliciosa junção do áudio de Playback Time com o vídeo de férias de Mr. Bean.

Menos bom? Sei lá. Estava ocupada a divertir-me…

NOTA: Lusomundo, o que fizeste às cópias do The Fountain, já tido como um dos melhores filmes do ano? E que tal tirar o The Departed das salas de Coimbra e pôr lá esse filme que andamos todos (nós, que nos dizemos cinéfilos e depois compramos cds de música) ansiosos pra ver?

quinta-feira, abril 05, 2007

Música e Letra (2007), Mark Lawrence


Yeehhh, buga lavar o cérebro.... hum? Nem por isso...

Mark Lawrence, como vejo nas minhas cábulas electrónicas, fez as duas Miss Detective e ainda as Forças da Natureza. Tudo caminharia para um óptimo filme romântico, certo?
Ok, não sejamos tão más. O Hugh Grant a fazer de ex-estrela rock tem a sua piada. Os seus movimentos pélvicos também. Mas... hum... parece tãããão visto. E sabem que eu aprecio chick flicks, reconheço-lhes valor, etc. Mas tinha tanto para ser original, e falhou... Drew Barrymore. Um bocado apagadita, não? A personagem podia ser tão mais explorada, tão mais interessante... Um hurra para a rapariga que fez de caricatura da Britney Spears, a Haley Bennett. Vamos estar de olho nela.

Apetece-me chamar a atenção (a sério, eu hei-de escrever um dia a sério sobre isto) para a subversão de papéis dos sexos neste filme. Se bem que a irmã de Sophie personifique na perfeição a mulher que passa as noites a seguir as soap operas na tv, Sophe é a intelectual da história e Alex Fletcher o objecto sexual. Isto torna-se especialmente óbvio quando, após a cena de sexo debaixo do piano (em vez de em cima - algo diferente, obrigado) vemos Grant em pêlo e Barrymore pudicamente embrulhada na manta. Ok, depois temos Cora com os seus movimentos a apelar a luxúria, mas mesmo assim... algo se começa a adivinhar em Hollywood, digo eu...

O argumento está óptimo, grandes tiradas cómicas, etc. A subplot da relação esquisita entre Sophie e aquele escritor convencido foi uma boa aposta (ambos os elementos do par romântico têm problemas com o passado). A crítica à sociedade de entretenimento tipo fast-food (os best-selllers logo adaptados a filme, os programas de luta livre entre ex-estrelas, a pop star budista que julga que o Dalai Lama é, efectivamente, uma lama...) é o ponto forte da coisa, por assim dizer.

Palmas para os créditos iniciais (com o Hugh Grant com o penteado mais cómico do ano) e para os finais, se bem que a piada da operação às ancas resultou bem da primeira vez, mas à vigésima terceira já enjoava...

A música não é má, i.e., falo daquela que guia o fio condutor da história. Mas também há umas músicas conhecidas postas muito baixinho em background (começamos a pensar que a porcaria da sala não está bem isolada e estamos a ouvir o filme da sala ao lado...) que desconfio foram postas à traição para aumentar o número de faixas da banda sonora. Isso não se faz.

A elogiar também, e é tão raro haver elogios deste género neste género de filmes (estou a repetir género de propósito, só pra saberem) a fotografia. Sim, leram bem.

segunda-feira, abril 02, 2007

Pecados Íntimos (2006), Todd Field




Finalmente fui ver esta coisa.

Era melhor do que eu pensava. O tom irónico de toda a história, em que ninguém se consegue enquadrar nas categorias normais bom/mau, a forma ousada de filmar (a ilustração de pormenores enumerados pelo narrador, por exemplo da descrição e comparação da mulher de Brad, Kathy, e a marginal Sarah interpretada por Kate Winslet; o plano-sequência temporal feito à borda da piscina) e um final que é pura e simplesmente brutal na sua fidelidade ao que costuma acontecer fora dos filmes.

Todas as personagens são brilhantes, não só nas suas características (à partida definidas por Tom Perrota, autor do livro) mas nas brilhantes interpretações que os actores fazem delas. Um ave muito especial para a senhora que interpreta a mãe do pedófilo, Phyllis Somerville, e para Kate Winslet (será porque a personagem dela é minha homónima? É uma possibilidade, mas a verdade é que a adoro). As cenas de sexo são tórridas e, ao mesmo tempo, com algo parecido com humor ou sarcasmo (a loucura em cima da máquina de lavar ou os vários planos evocados pela mente de Sarah enquanto discutem Madame Bovary no clube de leitura… )

E seria tão fácil convencer-nos que o pedófilo era um homem/criança arrependido… E quando o vemos sair com aquela estranha rapariga depressiva, julgamos que tudo irá acabar bem entre eles… Sol de pouca dura. Mas para quê um tarado apenas por filme quando se pode ter vários? O amigo de Brad, que preenche o tempo livre a torturar a paciência do pedófilo, em defesa dos bons costumes (ele que tem o passado manchado), é um maníaco que nos faz ter pena do coitado do molestador de criancinhas… No fim desejamos que lhe seja espetada uma faca no bucho. Ops, mais uma vez vemos as expectativas goradas.

É tão bom assistirmos a um fim tão imprevisível, em termos cinematográficos. Tudo caminha para outro lado. Mas as tragic flaws de cada uma das personagens estão presentes até ao fim, não há maneira de as coisas acontecerem em função de um happy ending forçado. Brad pura e simplesmente não quer crescer, não quer entrar na Ordem, não quer assumir a sua vontade de separação da mulher (afinal, eles são o casal perfeito, e Sarah é tão feia…). Sarah resolve vingar-se do hobby onanista do marido entrando numa aventura que segundo ela lhe mostra o que é estar viva, e no fim mostra-se demasiado frágil para lidar com a recusa. O pedófilo é afinal um Édipo; o maluquinho defensor dos bons costumes afinal até tem bom coração.

A subtileza do filme funciona tão deliciosamente bem, é tão refrescante… Sabe bem ver um filme destes de vez em quando. Há que admitir que lembra um bocado Beleza Americana de Allan Ball, mas menos macabro, definitivamente. Todd Field tem muito jeito para a coisa, sim senhor. Está contratado.