quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Bedtime Stories (2008), Adam Shankman

Ai, as maravilhas de ver um feel-good movie, sem nos preocuparmos com teorias de auteur e a aplicação dos conceitos de Deleuze...

E como já vi este filme antes de ser conspurcada pela escola de cinema e jamais vou conseguir voltar a essa inocência, e porque preciso de despachar esta crítica para falar dos filmezecos que tenho visto no cinema nos últimos tempos (muito, muito poucos...), aqui vai a transcrição do que enviei para a cara e querida Take (www.take.com.pt). Bolas, também mereço um pouco de preguiça intelectual...

Corre um mito na História do Cinema que George Lucas disse um dia que, para impressionar audiências, bastava matar gatinhos frente à câmara. A fórmula mágica foi evoluindo e parece que se descobriu o método infalível de arrancar gargalhadas do público: põem-se animais com olhos esbugalhados frente à câmara. Bugsy – assim se chama o porquinho-da-índia que merecia um spin-off ou dois – pode nunca ser nomeado a melhor animal secundário, mas nada o impede de tentar dar o seu melhor e conseguir o que o franchise Qualquer Coisa Movie já não consegue há muito tempo: fazer-nos rir.


E para gáudio do espectador, há muito mais do que animais felpudos neste regresso de Adam Sandler ao que sabe fazer melhor – comédias familiares com um toque de feel-good. Há quanto tempo não era possível ver um filme do género que não tem todos os melhores momentos no trailer? Ou um filme da Disney sem uma canção final de gosto duvidoso, mas com um medley inesperado de grandes êxitos do rock?


Adam Shankman, com longa carreira como coreógrafo, oferece-nos aqui um filme de um ritmo perfeito com gags visuais de desenho animado (indo mesmo à lâmpada luminosa de ideia genial ou a um cavalo vermelho chamado… Ferrari), mas sem cair no irrealismo fácil destes. O modo original como as histórias proféticas dos sobrinhos de Skeeter se vão traduzindo para o mundo real é sempre inesperado mas perfeitamente explicável, e por isso tal como o protagonista suspendemos a respiração à espera do aparecimento de Abe Lincoln em carne e osso num momento (mais uma vez) frustrado de romance. Sandler consegue levar-nos com ele numa variação fantasiosa da história de Cinderela sem nos deixar duvidar uma única vez do que vemos, se bem que a introdução de Marty Bronson, pai de Skeeter, convidando-nos a entrar no estado de espírito ideal de quem vai ouvir uma bedtime story, faz maravilhas nesse aspecto. Já Guy Pierce, mais uma vez o vilão de serviço, impressiona mais nos seus alter-egos fantasiosos (destaque especial para o seu equivalente medieval) do que no ambicioso contemporâneo Kendall. Deliciosamente pontuados por cameos inesperados, desde Roy Schneider a Carmen Electra, os devaneios narrativos de Sandler conseguem também ironizar certas regras do género cinematográfico, sempre com um suposto olhar inocente e infantil...


Mas sim, estamos perante um orgulhosamente ‘disneyado’ filme no melhor sentido da expressão, um filme que consegue agradar a miúdos e graúdos e que futuramente será comprado pela televisão e passado até à exaustão ao sábado de tarde. Isso não retira contudo o prazer de o ver em grande formato. Aliás, em grande formato… os olhos de Bugsy são ainda maiores.

Agora sim... FILMES CONSPURCADOS PELO TECNICISMO!! YEHHH!!!

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Rachel Getting Married (2008), Jonathan Demme


O must-see indie desta ano (mais ou menos indie, não me chateiem com detalhes…), que falhou as nomeações para melhor filme por causa dos gays de São Francisco. Entre famílias disfuncionais e famílias alternativas, também eu, tal como a Academia, optaria pelas segundas.

Roberto Jonathan Demme, que por terrível coincidência faz anos este domingo (uns 140, para aí), não nos brindava com um filme desde The Manchurian Candidate. Digo, com um filme que aparecesse aqui por Portugal (o que não estreia na Lusomundo não existe realmente, até vocês devem saber disso. Os tais filmes giros que vocês julgam existir são apenas a velha conspiração americana a brincar com as nossas mentes, para nos deprimir e fazer consumir mais recursos naturais). Portanto, depois de quatro longos anos, Demme resolve dar-nos um pouco do seu jeito para o filme digital. Ohhhh. À mão, como convém a qualquer filme pós-Bourne que se preze (a maldade no meu tom é tão grande que até me saltou uma tecla do portátil. Muahahahahah.). Preenchendo a lacuna deixada pela morte de um tal John Cassavetes em 1989, quiçá comemorando os vinte anos da morte dele, eis que estamos perante uma personagem feminina que nada deve em perturbação à protagonista de A Woman Under the Influence, Mimi, Kiwi, Sissi? Mabel! Mabel, como é que não me lembrei antes…

Portanto, Kym (aqui interpretada por uma Anne Hathaway que até acho que merece mais o homenzinho nu que Winslet, mas pronto, a minha opinião nunca conta nada para aqueles anormais – no sentido fofinho da palavra, claro - da Academia…) está bastante perturbada com acontecimentos do passado, e volta a casa após uma reabilitação bastante penosa a tempo para o casamento da irmã ‘boa’, Rachel. É claro que tudo corre mal, com bastantes gritos e discussões e tentativas frustradas de suicídio (uma espécie de), e nós com tanto volteio de câmara julgamos que estamos no meio daquela coisa toda e começamos a pensar que a nossa família é tão, mas tão normal, graças aos deuses, e pronto, de repente acaba tudo como começou, indefinido, e nós damos por nós a pensar: “mas que fantástica banda sonora que este filme tem”, e “devia fazer um corte de cabelo como aquele”, e pronto, mais um check na lista de filmes a ver antes dos Óscares.

Deixando o sarcasmo de lado (isto do humor britânico está-me a atingir mais do que eu pensava), a narrativa do filme está muito bem estruturada (a guinista, Jenny, é filha de Sidney Lumet, por isso ai dela que desgraçasse a honra da família…) , o que conjugado com um estilo de filmagem mais livre dá-nos muito mais, ouso dizer, do que estaríamos à espera por aquele estranho trailer que andava a passar nos cinemas. A banda sonora, como acho que ficou subentendido algumas linhas atrás, é de comer e chorar por mais. Hathaway é uma força da natureza num papel que lembra muito Angelina Jolie em Girl, Interrupted (o que pode ser um bom indício para a actriz que começou carreira a fazer – lembram-se? – Diários de uma Princesa). Além do mais, é homónima da mulher de Shakespeare, e decerto que todas as feministas empedernidas (nas quais desta vez me excluo) sentirão um perverso prazer a ver uma Anne Hathaway a ser mundialmente reconhecida por alguma coisa (além de um par de...chifres literários...)

Já descambei outra vez… UUfff… Melhores momentos: todas as cenas em que Hathaway está, que felizmente são muitas; os discursos do ensaio do casamento; o delicioso que parece aquele bolo azul com um elefante; a música, mais uma vez, especialmente a versão rock da Marcha Nupcial; o momento em que Rachel dá banho a Kym…

Momentos um pouco menos uau: bem, por vezes parece mesmo, e apenas, um vídeo caseiro de uma festa de casamento muito atribulada…

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Happy-Go-Lucky (2008), Mike Leigh

Oh! What-chu-ma-call-it ding dang dilly dilly da da hoo hoo!

(não, a minha percepção de pronúncia londrina não é assim tão boa, fui apenas ao IMDB…)

Sim, um filme feliz, colorido e passado em Londres. Com uma protagonista deliciosa e excêntrica que se recusa a casar, ter filhos, fazer um empréstimo e comprar uma casa, ou vestir-se de uma maneira monocromática. Educadora de infância, trinta e tal anos, a aprender a conduzir pela primeira vez, sempre alegre e contente e tal. Oh, Poppy! We love You!!! Marry Me!!!

Ahhh… Mike Leigh, Mike Leigh… Eu sei que troquei o teu patronato pelo do Terry Gilliam, mas que se há-de fazer? Que tipo de realizador julgavas tu que eu pensava que eras quando vi o Vera Drake e o famosíssimo Secrets & Lies? Nunca pensei que o teu método – no script, please – pudesse resultar numa coisa tão… tão… tão alegre. Yehhh. Quero saltar de trampolim, saiam da frente.

(uma cama partida e muitos berros mais tarde)

Sim, Happy-Go-Lucky, seja lá como estiver traduzido em português que nem vou ver para não me chatear, é um óptimo filme para voltar a acreditar na vida. Ou para justificarmos a nós próprios a razão porque não queremos ser adultos e responsáveis. Ou porque sim. Sim, esta é claramente a melhor razão de todas. Porque sim.

Além do filme ser fenomenal quando o vemos tendo em mente que todo ele resultou de improvisos e muitos ensaios sem guião – o senhor Leigh é um senhor de actores, claramente -, a personagem de Poppy é tão inesquecível, tão naif e ao mesmo tempo tão perspicaz, que qualquer um de nós mais não pode do que se render aos seus pés com botas de pele de crocodilo. Não dá. Não conseguimos desviar o olhar de tanta alegria. Damos por nós a gostar muito de respirar e tal, e no fim do filme deitamos fora o suicide kit e os papéis do IRS.

A mistura de um estilo de realização clássico (isto não podia estar mais longe de J. Cassavetes, apesar do espaço ao Actor em detrimento do Guionista) com diálogos e actuações nascidos de pequenas indicações e sugestões dá uma frescura à representação, um je-ne-sais-quoi de realismo que nos devora por dentro e deixa-nos a querer comer chupa-chupas e viver em Londres. [i] Mesmo os grandes momentos dramáticos das aulas de condução (um bocadinho de menos qualidade, porque essas foram filmadas em vídeo – eu sabia! Yehehh para a –soon to be - expert em cinematografia), com a fascinante personagem de Scott, o instrutor de condução frustrado que supostamente odeia Poppy, mas… Pois, já estão a ver onde a coisa vai dar, certo? Ohhh, vocês são uns fofinhos.

Melhores momentos: todos, mas senti-me particularmente tocada pelo encontro de Poppy com Charles, no pub. Muito intenso, sentiam-se faíscas por todo o lado. Excelente direcção de actores. Os créditos iniciais. A música. O ‘drama’ com a irmã mais nova, grávida e com uma casa própria; todas as cenas filmadas em sítios onde eu estive (tão divertido reconhecer lojas onde entrei, sítios onde comi pizza, etc etc); a cor, as cenas na escola, o momento ‘pássaro’, as aulas de flamenco, o trampolim… Menos bons momentos? Alguns, mas a vida é mesmo assim, né? Pois. O que interessa é olhar sempre com bons olhos. Mirrors, signal, maneuver, En-ra-ha. En-ra-ha. Não esqueçam.
(En-ra-ha)
(EN-RA-HA!!!)

[i] é claro que nem tudo o que queremos podemos ter. Não posso comer chupa-chupas porque me fazem mal aos dentes… e Camden fica-me longe da escola…

terça-feira, fevereiro 17, 2009

The Reader (2009), Stephen Daldry


E directamente do senhor que nos fez chorar baba e ranho com miúdos que dançam ballet e seropositivos que se deixam cair de janelas abaixo, eis o filme relacionado com a Segunda Guerra Mundial nomeado deste ano. Com o Ralph Fiennes a fazer de alemão (falem-me de type casting….) A cores. Uau. Com um momento de passeata pelos campos de concentração ao jeito de documentação histórica.

Não interpretem mal o meu tom irónico/sarcástico/a armar ao engraçadinha (riscar o que não interessa). The Reader pode deixar os nossos mucos nojentos sossegados dentro de nós, mas isso não quer dizer que não seja espicaçante. Além de parecer um cardápio de ‘coisas complicadas demais para serem pensadas’, a saber relações entre mulheres de meia idade e rapazinhos de 15 anos, o direito e a moral, os crimes de guerra, a condenação simbólica, o sentido de justiça, etc etc etc , tem um elenco de peso – e isto não é uma piscadela de olho às belíssimas curvas da Kate Winslet – e uma história que, se não cometeram o erro de ler a sinopse no Sapo, consegue surpreender.

Uma reconstrução de época competente, com toda a história calmamente no background – a reconstrução de Berlim, por exemplo – e uma construção de cenários, nomeadamente interiores, brilhante (a pequena casinha da personagem de Hanna Schmidt, onde se passa o affair de Verão, com toda a sua pequenez íntima com um toque de perversidade – aquela banheira logo à entrada, meus deuses, genial…), que gosta de guiar o espectador na sua descoberta do twist mas sem fazer a papinha a ninguém; tudo é sugerido, mas nada explicitado. Quero dizer, ainda bem que não acharam necessário explicar que foi (SPOILER) por Hanna não saber ler que teve de recusar a promoção na Siemens e inscrever-se nas SS como guarda (END OF SPOILER). Mas o ainda melhor do filme é que, mesmo juntado esse 1+1=2, o comportamento dela continua injustificado. Podemos simpatizar com ela, é certo (afinal, é assim que a história está construída, para apesar de tudo simpatizarmos com ela, daí ser ela a principal vítima no final), mas há um travo amargo quando reparamos que ela tem mesmo culpa do que fez. Sim, há mais culpados, mas ela também o é.

É isso que é delicioso no filme. Hanna não é, de modo nenhum, redimida, a personagem partilhada pelo veterano Ralph Voldemort Fiennes e o novato David Cross, Michael Berg, muito menos (vamos lá, não foi propriamente querido dele deixar a tipa ir parar à prisão sabendo que ela não tinha feito aquilo que as outras diziam, e muito menos simpático não a visitar na prisão & ir buscá-la apenas para a pôr num lugar qualquer bem longe da vista), o que explica em parte um certo sentimento de indiferença final que nos atinge. Mas até aí, meus caros, turbilhão de emoções como qualquer filme nos deve provocar.

Grandes cenas? Para mim, sem dúvida, o primeiro banho de Michael, as cassetes enviadas religiosamente todas as semanas (a apontar na enorme e interminável lista de coisas a fazer um dia: ler a Odisseia), o passeio de bicicleta, o momento da revelação, o não perdão da sobrevivente, o velho Michael a levar a filha à campa de Hanna. Menos bom? Não há rapazes a dançar ballet nem seropositivos a cair de janelas. Nem vampiros. Nem justiça no mundo. Pois, mas isso já sabíamos…

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Slumdog Millionaire (2008), Danny Boyle



India, India, Índia… nos anos 60 a Meca dos Músicos, agora o must-go-and-shoot dos realizadores… Ah, a polémica, ah as nomeações, ah os globos de ouro, ah… o Óscar?

Faltam-me ver dois, mas acho que não. Mas é um claro caso de overrated? Não. É bonzinho? Mais que bonzinho, receio dizer. É muito bom mesmo. Não excelente, mas lá perto. E um feel-good movie, que é uma coisa cada vez mais rara. Senão vejamos os outro quatro nomeados – quantos deles acabam com o protagonista vivo e de bem com a vida? Pois.

Boyle começou muito antes de Meirelles a filmar o lado ‘negro’ das cidades, portanto não me venham com tretas. Ai é colorido demais? Glorifica a coisa? Exagera? É um filme que acaba com toda a gente a dançar na estação de comboio, não é propriamente Jean Rouch… E é sempre bom e reconfortante termos duas horas e tal da versão indiana de um concurso televisivo que até que gostamos, com o plus de não estarmos a olhar para o Jorge Gabriel a encher chouriços. Ou o Malato. Deuses, imaginem este filme com o Malato a apresentar o programa e, sei lá, um coitadinho jovem dos Morangos com Açúcar a fazer de slumdog… Ouch, espero que o senhor Alexandre Valente nunca leia estas linhas senão…

Mas voltando ao filme, narrativamente falando, está muito, muito bem feito. Temos os flashbacks do costume, explicações da suposta sabedoria do nosso amigo Jamal. Temos amor, temos dinheiro, temos a ambição do ‘irmão mau’, temos tiros, explosões, perseguições de carro, efeitos especiais, extraterrestres…. desculpem, nem por isso. Temos uma história certinha, sim, com tudo para resultar (ingredientes secretos incluídos), bons actores (ou deveria dizer boa direcção de actores, uma vez que muitos deles não tinham experiência prévia?), bom uso da música (nada a que não estejamos acostumados com Boyle), composições formais desniveladas (marca de autor e tal, muito bem, senhor professor), fotografia saturadíssima pelo senhor que já nos dera Dogville e a carta de apresentação do Dogme 95, Festen, - fixem o nome dele - Anthony Dod Mantle, mas deliciosa (sem chegar aos extremos coloridos de Darjeeling Limited), qualquer coisa de muitos filmes diferentes ao mesmo tempo que não conseguimos identificar tudo, e sim, Dev Patel que é tão bom que estou aqui a ver se arranjo a série em que participou, Skins, como se eu já não tivesse suficiente para ver no meu disco externo…

Grandes momentos: a queda no poço de mierda para conseguir um autógrafo (as grandes personagens de Boyle caem sempre dentro da sanita, literalmente), a nossa descoberta da love story inerente à coisa, o passar do tempo no comboio, a chegada ao Taj Mahjal, o miúdo cego que canta, todos os momentos dentro do programa, incluindo o momento confessional de casa de banho do apresentador (e mais não digo porque não me apetece escrever spoiler alert); a complexidade da personagem de Salim; o momento Bollywood final na estação de comboios.

Menos bom: aquilo ao início parece um excerto do ‘24’, a qualquer momento pode entrar o Jack Bauer por ali adentro; ou sou uma insensível (bastante provável) ou o filme – e o final, principalmente - não é assim tão comovente como me fizeram crer; será que é desta que um filme com um final feliz ganha o Óscar, ao fim de tanto tempo de filmes infelizes? Hum, pouco provável. E lado Bollywood poderia ser mais explorado, mas isto sou eu, que tenho um cd de músicas indianas de fundo enquanto escrevo isto.

Portanto, sim, original e diferente do que estamos habituados – parece-me que este é o indie substitute deste ano – mas, apesar de estar quase a meter as mãos no fogo que o Professor Boyle vai buscar a estatueta que eu ambiciono ter um dia por cima da lareira, não me parece que os produtores do filme tenham a sorte de subir ao palco… mas isto sou eu, que raramente acerto…