Estou seriamente a pensar em consultar um psiquiatra de bloguistas ou assim, porque quando alguém como eu começa a concordar com os críticos do Público algo se passa. Algo de muito, muito mau.
Este é daqueles filmes dos quais estou à espera há muito, muito tempo e pelo qual tinha uma muito, muito grande expectativa. Primeiro, um filme do Meirelles, aqueles senhor brasileiro que consegue que eu aprecie filmes de géneros que nem são lá muito o meu cup of tea. Depois, uma adaptação de um dos meus escritores preferidos (e, há uns anos atrás, o meu único escritor vivo preferido…). Por fim, um livro que eu sempre quis ver no grande ecrã, e julgava que nunca, por causa do ‘pé atrás’ do senhor Saramago em relação às adaptações das suas obras, algo acentuado ainda mais depois daquela… coisa… chamada Jangada de Pedra…
O que acontece é que fui para o cinema com uma enorme vontade de gostar, adorar, amar, rebolar-me no chão, fazer altares, destruir carreiras, gritar alto e bom som que o filme, afinal, era MUITO BOM e não, ‘ya, come-se’, como toda a gente parecia dizer por aí. E tal como li no Público, acho que o Jorge Mourinha ou assim, senti que me via obrigada a tomar lugar na outra barricada, porque o filme não é assim tão bom. O que é estranho é que as pessoas que foram comigo sentiram-se bem impressionadas com o filme, e até vi um casal a sair mal-disposto durante a famosa cena de violação (será que se pode chamar cena de violação a um ecrã quase negro?). Será que o problema é meu, por ter lido o livro antes? Provável. Raramente me impressiono com uma adaptação fílmica quando já conheço o livro – The Handmaid’s Tale, Brave New World, Harry Potters… mesmo quando não gosto assim grande espingarda do livro, como no caso do The Da Vinci Code, a sensação é a mesma: muita coisa tirada que era importante, o filme de certo modo é mais leve, ou mais pesado, ou insiste numa linha que eu, numa visão completamente subjectiva e pessoal de leitora, não considero que seja a mais relevante. A única deliciosa excepção a isso é Perfume: The Story of A Murder, do Tykwer, mas com este senhor a minha opinião pode não ser considerada válida, porque eu o Amo Profundamente e Quero Ter Filhos Dele (e fazer filmes também).
Continuando, o que é que eu acho que falhou? Hum. Quase tudo. Empatia com as personagens: zero. Apesar da Julianne More ser uma excelente actriz, de alguma maneira não consegui me sentir tão próxima dela como da mulher do médico no filme. Verem-se as sardas não sei se contribuiu para isso – percebo o sentido de pôr a protagonista sem uma beleza hollywoodesca, mas ná… Mais, gosto da ideia de branco e negro e tal, mas que é um bocado irritante lá é. É demasiado tempo, e ter usado os planos ‘terciários’ na montagem, isto é, desenquadrados, como que filmados por um cego, etc e tal, pode parecer uma ideia fantástica quando se está desesperado para fazer a montagem resultar, ou quando, sei lá, se lê isso no blog das filmagens (eu lembro-me que achei genial na altura), mas é mais uma daquelas coisas que fora do papel não resulta lá muito bem. Falta a encenação. Falta o apelar aos sentimentos do espectador. Sim, mete mais medo o que não se vê e só se ouve do que a imagem per se (estou a pensar na malfadada cena de violação), mas como ouvi algures no trailer, pior do que ser cego é ser o único que pode ver. Por isso, por muito giro que seja apenas seguir um filme pelo som (que estava horrível, mas penso que era da sala – por favor, se me dizem que era mesmo assim vou ter com o Meirelles e parto-lhe a cara), não resulta. Não tenho nada contra o aspecto artsy da coisa (alô, grande fã do Greenaway a carregar nestas teclas), mas quando é só isso, argh. Não, não, não. Desorientação visual, porreiro, mas tal como o livro, lá por ser uma ‘história de cegos’, não se coíbe de descrever (demais, até) pormenores e tal, o filme também não devia. E nem quero começar a falar da grande ausência do mundo fora das camaratas… Filmagens subjectivas só resultam temporariamente, e quando estamos empatizados com as personagens. Por isso (dizem, ainda não tive paciência para ver) The Lady of The Lake não resultou, e por isso momentos no Perfume ou, por exemplo, a genialíssima cena da discoteca em Babel resultam tão bem: são temporários, e nós deixamos – ou até queremos – perceber o que essas curiosas personagens sentem ou vêem. Neste filme, por exemplo, quando a mulher japonesa reencontra o marido. Momento bonito. Câmara a filmar às cegas nos outros momentos: irritante.
Não posso deixar de referir que a sala, numa quarta à noite, sessão das 9, estava de lotação esgotada. Sim, nem o 007 teve esse feito ainda. O que é curioso, pensando que não conheço quase ninguém que aprecie Saramago. O facto é que muita gente foi exactamente porque era uma adaptação do nosso Nobel (e que melhor maneira de ‘ler um livro’, né?), pela polémica lá fora, mas também, espero, porque sentiam que era um filme obrigatório para nós, portugueses. Afinal o país sem nome, duh, não é preciso ser bruxo. O filme era, apesar da tentativa de multinacionalização do cast, muito, muito americano. Em mais nenhum lado há daquele tipo de estradas…
Música: a original, nada que mexesse muito com a imagem (distante, superfície); as outras, muita coisa latina, receio. Momentos bons: hum, o tal momento de reencontro entre o casal japonês, os cães a comerem as pessoas, o diálogo mulher do médico- verdadeiro cego depois da noite da violação, as cenas de desolação na cidade depois de saírem das camaratas (muito bom, o momento supermercado); notícias portuguesas no rádio portátil (sem sotaque brasileiro, graças aos deuses); chama as pessoas ao cinema.
Momentos maus: como adaptação, argh, mesmo como filme, não sei não; a filmagem ‘cega’; pior cena de sexo dos últimos anos; pouco desenvolvimento da questão do velho cego/prostituta; demasiada polémica não percebo porquê (sempre assim…)…
Enfim, sempre que espero muito pelos filmes fico desiludida… argh argh argh…
2 comentários:
YEAH. Não concordo nada contigo lol. Eu gosto do Saramago, gosto do Meirelles e gosto do filme. Não é genial, mas é o tal ya come-se.
Motivos de discórdia que me fazem comentar veementemente:
I) único filme do mundo que é (muito) melhor que o livro que adapta: O Padrinho (ainda não vi O Perfume, mas não acredito que bata o don corleone)
II) a cena da discoteca do Babel? Oh que raio, aquilo é assim, tipo, que a modos que... SUPER CLICHÉ. Não gostas do Ensaio Sobre a Cegueira e gostas dessa cena? Oh diacho, que se passa por aí?
off topic: há dias vi uma ideia para um filme acerca de um cego, que era para ser filmado sem som. Porque se fosse sem imagem não dava muito jeito, né. Original :x
Hum, dermot... o problema é que não li 'O Padrinho' para poder comparar, mas acredito que seja bom... afinal, falamos do FF Coppola nos seus dias de vendido (vénia, vénia, vénia). :D
Não sei, percebo que o filme seja bom, mas a extrema técnica dele (ou falta dela, ou técnica disfarçada de falta dela, escolher o que é)continua a irritar-me. Pufff... não ando inspirada e nada me inspira. Deve ser isso.
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