Após um desastre mundial nunca explicado, o mundo caminha lentamente para a extinção da raça humana. O Homem caminha na estrada com o Filho, em busca de alimentos, abrigo e tentando evitar ser comidos por outros ex-seres humanos mais ousados. Em sonhos com alguma cor, o Homem relembra a esposa de tempos idos, que deu à luz o filho quando tudo começou a correr mal, e que preferiu perder-se em direcção à Floresta do que lutar pela sobrevivência com eles. Uma Parábola do Fim dos Tempos, onde o mundo como o conhecemos deixou, pura e simplesmente, de existir.
Se há filme com uma lógica de marketing retorcida, esse é A Estrada. Anunciado como uma adaptação de Cormac McCarthy, o autor do livro que deu origem ao oscarizado Este Pais Não É Para Velhos, não é preciso ter dois palmos de testa para chegar à conclusão óbvia de que o estilo sombrio de Cormac McCarthy resulta de maneira muito diferente através dos irmãos Coen, com o seu culto da comédia negra, e com John Hillcoat – (conhecido pelos seus “dramas com testosterona”, entre os quais se conta A Proposta) atrás da câmara de um drama pós-apocalíptico que nada tem de cómico.
Isso não impede de A Estrada ser claramente a adaptação literária do ano, numa bastante óbvia piscadela de olhos à Academia (estratégia que envolveu mesmo mudar a data de estreia, e que, como soubemos à data, não resultou). Para isso contribui, sem sombra de dúvidas, a escolha de Viggo Mortensen para o protagonista, o Homem, quase irreconhecível dos tempos de Aragon, e afirmando-se definitivamente como um dos grandes actores da actualidade (aliás, reescrevo, Um Dos Grandes Actores da Actualidade). Kodi Smit-McPhee, o jovem actor que com ele contracena como Filho, é também um caso de grandes esperanças, e o laço que transmitem à audiência faz com que seja impossível não nos arrepiarmos quando o Homem ensina ao Filho como se suicidar com a pistola, caso sejam encontrados pelos canibais. Mesmo as breves aparições de Charlize Theron, Guy Pearce e Robert Duvall não conseguem ser tão convincentes, tão positivamente desprovidas de star power como as de Mortensen e Smit-McPhee.
Qual é o tema deste filme? Pode-se afirmar que é a relação primordial do sangue entre pai e filho em estranhas circunstâncias, mas pessoalmente vemos em A Estrada a velha (e aborrecida) historia do Bem e do Mal, e um argumento um bocado para o onanista sobre o que significa ser uma boa pessoa: partilhar o último naco de pão com um estranho ou proteger toda a comida para dar a um filho? E para que não restem dúvidas sobre a complexidade moral humana, o Homem que cruelmente se vinga do ladrão que lhe poupou o Filho vê-se a ser chamado à razão pelo Filho. No fim, resta apenas o Medo – o medo dos estranhos que percorrem a Estrada, o medo do ladrar do cão que fá-los abandonar o abrigo de volta ao desconforto exterior.
Para onde vai a Estrada? Para que “pote de ouro” no fim do arco-íris monocromático conduz? O que é que aconteceu para o mar já não ser azul? Estas questões nunca são respondidas, dando a toda a história um tom místico, pontuado pelo castanho sujo do céu (tão sujo como a cara do Homem). Este misticismo não é de todo positivo – pelo contrário, não percebemos bem o que é suposto pensar quando os créditos finais rolam. É o fim uma mensagem de esperança? Para quê procurar a sobrevivência quando clima e terra estão mortos? Porque é que não há uma aplicação no IPhone que resolva os problemas? Hillcoat quis centrar as atenções na luta pela sobrevivência, empregando um estilo despojado de beleza (“bruto”, chamam-lhe) e utilizando cenários reais – algo incrível de acreditar, após o visionamento do filme. De facto, apenas o céu foi removido digitalmente. Um triunfo do director de fotografia, o espanhol Javier Aguirresarobe (O Sol no Marmeleiro, Os Outros, Mar Adentro), que ganhou o prémio de melhor cinematografia da San Diego Film Critics Society Awards. E para eu estar a gabar um espanhol, é porque o senhor é mesmo bom, acreditem.
Infelizmente, o potencial da história e do elenco não se realiza totalmente no produto final, que não tem nem metade da intensidade de (outra história de sobrevivência) O Náufrago, ou mesmo, na mesma vertente de drama pós-apocalíptico, o excelente O Tempo do Lobo de Haneke. Há qualquer coisa que falta para nos prender à narrativa durante mais do que uns escassos e cronometrados momentos, um efeito de distanciamento efectivo que não parece ter sido planeado. A isso ajuda a banda sonora de Nick Cave, de uma beleza extrema, mas ao contrário do que acontecera com O Assassinato de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford, não parece servir a este filme. É-lhe estranha, intrusiva mesmo a pontos, e não pontua de maneira nenhuma as imagens que aparecem no ecrã. Estará Cave apenas a fazer o frete de pagar um favor a um amigo? Ou é apenas a tentativa de Hillcoat de fazer um filme duro e anti-comercial? Tentativa essa de sucesso, já que o mundo de A Estrada não podia estar mais distante das cores de Pandora(também não temos cenas de sexo azuis, ou de qualquer outra cor, diga-se de passagem. Por outro lado, não consegue ter o encanto e inteligência de um filme de culto como Terra de Cegos, ou a polémica de um Anticristo. Inclinamo-nos a pensar que é demasiado ambicioso na adaptação literária para poder ser um bom filme. Nunca duas horas pareceram tão longas. E num cantinho da mente, o desejo que este guião tivesse ido parar à mesa de um Rolland Emmerich ou mesmo, os deuses nos salvem, de um Michael Bay num dia bom. Sugira-se uma mudança de título para “À beira da Estrada, sem ir a Lado Nenhum”.
Se há filme com uma lógica de marketing retorcida, esse é A Estrada. Anunciado como uma adaptação de Cormac McCarthy, o autor do livro que deu origem ao oscarizado Este Pais Não É Para Velhos, não é preciso ter dois palmos de testa para chegar à conclusão óbvia de que o estilo sombrio de Cormac McCarthy resulta de maneira muito diferente através dos irmãos Coen, com o seu culto da comédia negra, e com John Hillcoat – (conhecido pelos seus “dramas com testosterona”, entre os quais se conta A Proposta) atrás da câmara de um drama pós-apocalíptico que nada tem de cómico.
Isso não impede de A Estrada ser claramente a adaptação literária do ano, numa bastante óbvia piscadela de olhos à Academia (estratégia que envolveu mesmo mudar a data de estreia, e que, como soubemos à data, não resultou). Para isso contribui, sem sombra de dúvidas, a escolha de Viggo Mortensen para o protagonista, o Homem, quase irreconhecível dos tempos de Aragon, e afirmando-se definitivamente como um dos grandes actores da actualidade (aliás, reescrevo, Um Dos Grandes Actores da Actualidade). Kodi Smit-McPhee, o jovem actor que com ele contracena como Filho, é também um caso de grandes esperanças, e o laço que transmitem à audiência faz com que seja impossível não nos arrepiarmos quando o Homem ensina ao Filho como se suicidar com a pistola, caso sejam encontrados pelos canibais. Mesmo as breves aparições de Charlize Theron, Guy Pearce e Robert Duvall não conseguem ser tão convincentes, tão positivamente desprovidas de star power como as de Mortensen e Smit-McPhee.
Qual é o tema deste filme? Pode-se afirmar que é a relação primordial do sangue entre pai e filho em estranhas circunstâncias, mas pessoalmente vemos em A Estrada a velha (e aborrecida) historia do Bem e do Mal, e um argumento um bocado para o onanista sobre o que significa ser uma boa pessoa: partilhar o último naco de pão com um estranho ou proteger toda a comida para dar a um filho? E para que não restem dúvidas sobre a complexidade moral humana, o Homem que cruelmente se vinga do ladrão que lhe poupou o Filho vê-se a ser chamado à razão pelo Filho. No fim, resta apenas o Medo – o medo dos estranhos que percorrem a Estrada, o medo do ladrar do cão que fá-los abandonar o abrigo de volta ao desconforto exterior.
Para onde vai a Estrada? Para que “pote de ouro” no fim do arco-íris monocromático conduz? O que é que aconteceu para o mar já não ser azul? Estas questões nunca são respondidas, dando a toda a história um tom místico, pontuado pelo castanho sujo do céu (tão sujo como a cara do Homem). Este misticismo não é de todo positivo – pelo contrário, não percebemos bem o que é suposto pensar quando os créditos finais rolam. É o fim uma mensagem de esperança? Para quê procurar a sobrevivência quando clima e terra estão mortos? Porque é que não há uma aplicação no IPhone que resolva os problemas? Hillcoat quis centrar as atenções na luta pela sobrevivência, empregando um estilo despojado de beleza (“bruto”, chamam-lhe) e utilizando cenários reais – algo incrível de acreditar, após o visionamento do filme. De facto, apenas o céu foi removido digitalmente. Um triunfo do director de fotografia, o espanhol Javier Aguirresarobe (O Sol no Marmeleiro, Os Outros, Mar Adentro), que ganhou o prémio de melhor cinematografia da San Diego Film Critics Society Awards. E para eu estar a gabar um espanhol, é porque o senhor é mesmo bom, acreditem.
Infelizmente, o potencial da história e do elenco não se realiza totalmente no produto final, que não tem nem metade da intensidade de (outra história de sobrevivência) O Náufrago, ou mesmo, na mesma vertente de drama pós-apocalíptico, o excelente O Tempo do Lobo de Haneke. Há qualquer coisa que falta para nos prender à narrativa durante mais do que uns escassos e cronometrados momentos, um efeito de distanciamento efectivo que não parece ter sido planeado. A isso ajuda a banda sonora de Nick Cave, de uma beleza extrema, mas ao contrário do que acontecera com O Assassinato de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford, não parece servir a este filme. É-lhe estranha, intrusiva mesmo a pontos, e não pontua de maneira nenhuma as imagens que aparecem no ecrã. Estará Cave apenas a fazer o frete de pagar um favor a um amigo? Ou é apenas a tentativa de Hillcoat de fazer um filme duro e anti-comercial? Tentativa essa de sucesso, já que o mundo de A Estrada não podia estar mais distante das cores de Pandora(também não temos cenas de sexo azuis, ou de qualquer outra cor, diga-se de passagem. Por outro lado, não consegue ter o encanto e inteligência de um filme de culto como Terra de Cegos, ou a polémica de um Anticristo. Inclinamo-nos a pensar que é demasiado ambicioso na adaptação literária para poder ser um bom filme. Nunca duas horas pareceram tão longas. E num cantinho da mente, o desejo que este guião tivesse ido parar à mesa de um Rolland Emmerich ou mesmo, os deuses nos salvem, de um Michael Bay num dia bom. Sugira-se uma mudança de título para “À beira da Estrada, sem ir a Lado Nenhum”.
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