domingo, julho 31, 2011

Begginers (2011), Mike Mills


Há dias em que nos dá pra ir ao cinema sem sabermos nada do filme que vamos ver. Ontem foi um desses dias. Àparte dos cartazes pelo metro fora - que nada dizem do filme - e que tem o Ewan McGregor (completamente vestido, uma raridade) - Beginners bem podia ser sobre a curação de queijos que eu estava para tudo.

E que pérola, meus caros. Já não me lembrava da última vez que tinha ido ao cinema e saído inspiradíssima, cheia de bons sentimentos e contente de ter decidido dedicar a minha vida a uma indústria tão ingrata. Tudo por pequenos momentos como este.

Nunca tinha ouvido falar de Mike Mills. Mas uma rápida pesquisa na enciclopédia poeirenta virtual diz-me que ele já tinha feito filmes, sim, e vem dos designs gráficos e dos promos, e daquelas coisas que costumam traduzir-se em desastres cinematográficos como Sucker Punch. Mas não. Não sei o que é que o homem come ao pequeno-almoço, mas claramente tem histórias pra contar, desde um documentário que faço questão de fazer aparecer magicamente no meu computador, Does Your Soul Have a Cold?, até um incrível título, Thumbsucker, sobre alguém que está viciado em... sim, em chuchar no dedo.

Mas falemos do filme. Beginners entra a matar. Continuinidade temporal is for sissies. Mas ao contrário de certos filmes que por aí andam (*espirro que soa a Tree of Life*) há uma história por detrás de tudo, e os flashbacks e flashforwards seguem-se com o prazer de construir um puzzle muito, muito bem pensado. Até aos pormenores. Aponta que eu guio.

E no fundo nada mais é que uma simples história sobre um homem atormentado pelo passado - uma mãe deliciosamente excêntrica, um pai que sai do armário, uma rapariga francesa que desafia as coisas a correrem bem, e um cão que fala em legendas - e que tem de decidir se quer arriscar num futuro, contra todo o bom senso, ou ficar preso num círculo vicioso de desapontamento. Uma história simples. Muito bem contada. Que fica no coração.

Nada é extravagante no filme. O trabalho de câmara, as luzes, mesmo a performance. Tudo no ponto. Muito francês, mas no bom sentido - no sentido que de repente somos confrontados com fotos dos anos 60, sob a voice over. Ou que se pode conhecer o amor da nossa vida numa festa de fancy dressing, e que a coitada da rapariga não fala. Mesmo coisas que nada têm a ver com a narrativa - os momentos gloriosos de vandalismo - sabem a um bom marshmallow no topo de um chocolate quente: completamente desnecessários, mas dão-lhe qualquer coisa extra.

Do que é que estão à espera? Vão ver isto. Várias vezes. Não se vão arrepender. A quantidade de frases do filme que me ficaram gravadas na mente é claramente uma prova científica que este vai ser um clássico. De uma maneira ou outra, não é tempo perdido. É um filme sem pretensões, sem grandes respostas, mas com pequenas afirmações. E sabe bem, numa altura em que parece obrigatório para este tipo de filmes serem sobre grandes temas, ver um filme que é sobre ser uma pessoa. Pura e simplesmente.


Are we married yet?

terça-feira, maio 24, 2011

Hanna (2011), Joe Wright

Primeira descoberta do dia: filmes que têm trailers que prometem muito mas acabam com as palavras "música original dos The Chemical Brothers" têm uma certa tendência para conseguirem ser uma trip de videoclip.

Segunda descoberta do dia: não é tão bom como Expiação, não é tão mau como Bridesmaids promete ser.

Terceira descoberta do dia: se entre escolher entre ver o filme sozinha e ver com alguém que vai bufar, remexer-se na cadeira, mudar de posição, bufar mais um bocado numa língua incompreensível, abanar a cabeça, pôr as mãos na cabeça, e passar a hora a seguir ao filme a fazer uma descontrução (melhor dizer destruição) das premissas narrativas do filme, pffffffffff, é claramente melhor para a próxima espetar um calmante na comida desse alguém antes do filme ou resumir-se a ser forever alone e espetar-me a mim e à minha independência numa sala perto de mim.

Quarta descoberta do dia:
Que posso dizer eu, destreinada como ando destas andaças blogosféricas? Que foi tão bom como eu esperava que fosse? Não, não o é. Não percebo os high ratings que tem recebido de todo o lado - aparte do facto que Saoirse Ronan é das melhores coisas que por aqui anda - e quiçá compreendo porque é que este script esteve tanto tempo na infame Black List; abandonado por Danny Boyle e tudo, se calhar nunca devia ter acontecido. Ou então devia ter acontecido noutras mãos. Quem sabe. O que está feito feito está.

Deixemos a história que o meu caro amigo resolveu questionar acima de tudo - o que é que acontece à família? porque raio têm eles de ligar o interruptor em vez de sair tranquilamente para a civilização com passaportes falsos? porque é que a tipa os quer matar ao fim de tanto tempo?

Eu estou-me a lixar para questões narrativas, meus caros. Depois de semanas e semanas a mudar a cor de letras no After Effects e a fazê-las saltar uma por uma eu quero é limpar o meu cérebro. Eu quero um bom filme de acção sem pretensões, eu quero estar na beirinha da cadeira e dar o passo em frente para o abismo.

Mas...

Digamos que estarei para sempre contaminada com o trabalho que faço. E que certas coisas me têm o condão de irritar. Como a cena onde a CIA ataca a pequena casa no círculo polar. Ou quando Hanna foge das instalações secretas - parece que Joe Wright se esqueceu por momentos que está a fazer um filme e não um videoclip para os Chemical Brothers...

Talvez o mais irritante seja ainda a sensação que a história está a acontecer a uma velocidade extraordinária, apesar do filme durar quase (oh deuses pecado moderno!) duas horas. Nada fica muito na memória, e nem por um momento a minha boca fez um aw de simpatia por nenhuma das personagens.

Bons momentos: a cena em que o pai sai do aeroporto, desce para o metro, é atacado, luta e defende-se, e vai-se embora - tudo num único take. Sim, digamos que essa é a marca de autor de Joe Wright: preguiça. Quero dizer, virtuosidade.

Mas seria tão bom se ele tivesse parado de olhar para a câmara por um bocado e olhasse para o que se passava à frente dela...


quinta-feira, junho 03, 2010

Io sono L'amore (2009), Luca Guadagnino



A família Recchi. Opulência. Etiqueta. Uma tragédia grega passada atrás de cortinas hermeticamente fechadas numa Milão de pormenores que não vêm nos postais. Uma mulher, Emma (Tilda Swinton), presa numa gaiola dourada e que abandona a sua entidade para voltar às raízes da terra e se envolver, qual Lady Chatterley, com o homem que a conquista com camarões singelamente preparados. Da neve e frivolidade inicial até ao êxtase estival antes dos créditos finais. Como se Visconti e Douglas Sirk se tivessem encontrado para uma colaboração inédita. Com John Adams de fundo, como se a música tivesse sido feita para o filme. Ou vice-versa.

Durante 11 anos Tilda Swinton acarinhou este projecto, e com Luca Guadagnino (vale a pena fixar o nome) ele finalmente viu a luz do dia, para gáudio dos olhares cinéfilos que há muito, muito tempo não tinham tal sobremesa nos ecrãs. Poder-se-á falar de haute cinema como se fala de haute cuisine? Haverá melhor exemplo de sinestesia erótica, estaremos perante um fino exemplo do cinema dos sabores? Os primeiros minutos podem parecer uma longa espera para o prato principal – todos os Recchi, todas as regras do bom gosto, uma realidade de vida em que não há trama, e nada se passa, apenas um quotidiano que não se deixa penetrar pelo mundo exterior, mesmo quando esse mundo é a audiência. Mas quando Emma, uma moderna Anna Karerina, se deixa seduzir pela arte culinária – ou pelo aroma de liberdade? – de Antonio, um amigo do filho, somos levados numa jornada até à inesperada catarse final – Tu não existes. E Emma deixa de existir apenas para começar a viver.

Se o preconceito torna de mau gosto ter opiniões favoráveis sobre filmes opulentos, cheios de técnica e com alta sociedade como protagonistas, Eu Sou Amor deita tudo por terra e faz-nos reconsiderar os nossos valores cinematográficos. Não só Tilda Swinton, regressada à velha art house na qual se criou como musa de Derek Jerman, mostra que é uma Actriz com direito a capital maiúscula, como o realizador Luca Guafagnino, ajudado pelo cinematógrafo Yorick le Saux (colaborador habitual de Ozon), inventa uma nova forma de filmar a cidade (Milão, Londres), baseando-se e recriando ao mesmo tempo o cinema italiano dos anos 60. A sensibilidade da narrativa, onde o desfecho dramático do segundo acto é-nos entregue sem a habitual faixa musical, e onde um simples prato de oucha – a sopa de peixe russa – desencadeia a tragédia, deixa um festim nos olhos, na mente e por fim, na alma.

Sim, o cinema italiano está para ficar.

Robin Hood (2010), Ridley Scott

quinta-feira, abril 08, 2010

Alice in Wonderland (2010), Tim Burton


Se há realizador que eu pensei que nunca, nunca me iria desiludir, esse era Tim Burton. Não havia um único filme em toda a sua longa lista (e eu vi-os todos, mes amis), que eu pudesse dizer, ná, não gostei lá muito desse. Mas estava já com receio que fosse acontecer alguma desgraça, algum dia. É inevitável, não é? E o destino tentou salvar-me, tendo demorado... um mês? mais? a conseguir ir ver este filme ao cinema. Toda a gente já tinha visto, as opiniões dividiam-se (COMO É QUE SE PODEM DIVIDIR??? COMO???), e eu achei por bem picar o ponto antes de chegar a Portugal.

Ora... nem sei por onde começar primeiro. Vamos pela história. Mas que raio? Sim, fazer uma sequela do Alice, muito boa ideia, toda a gente conhece a história original, também concordo, mas... que raio de história foi aquela? Sinceramente? Os primeiros dez minutos foram horrendos. E o resto do filme não melhorou. Aliás, quando Alice se atira para dentro do buraco no tronco de árvore, começa o verdadeiro pesadelo.

Não consigo ter qualquer empatia pela Alice, nem sequer rir do seu ridículo noivo, a única coisa que vejo acontecer são coisinhas pequenas desenhadas para fazer a plot avançar com o mínimo esforço possível, que não têm o menor interesse para mim (quero lá saber qual das rainhas ganha no fim, eu cortava a cabeça a ambas), a meia-hora do inicio já parecia que estava a assistir o filme há três horas, Helena Bonham Carter, minha cara, não consegues chegar sequer aos pés da Miranda Richardson no Blackadder II (e para a próxima, escolhe uma influência menos óbvia, ou disfarça mais), Johnny Depp, PORQUÊ?, e todos os sotaques durante o filme fizeram-me não perceber pívias do que se dizia a maior parte do tempo (legendas, onde, onde?). Feliz ou infelizmente, não senti a falta de perceber. Não me parece que fosse ter grande impacto na minha opinião final.

E sim, eu sei, mas qual é a onda do 3D? Porque raio foi este filme feito em 3D?? (em pós-produção, acrescento, como ávida leitora do American Cinematographer que me tenho tornado nos últimos tempos). Uma grande perda de tempo. E um grande roubo na minha carteira (aparentemente, nesta ilhota, pode-se reutilizar óculos 3D... pffff. Incha pelos óculos...).

Até a maldita música é irritante! Argh. E porquê tanta coisa à volta da "violência" da batalha final? Bocejo.

Eu tenho uma teoria (como sempre). Tim Burton + Disney NÃO FUNCIONA. E por favor, senhor Burton, e digo-lhe isto não como de um membro da audiencia para um realizador, mas como de uma realizadora grande admiradora e confiante no poder da revolução digital para outro - LARGUE OS BRINQUEDOS E TRABALHE. Sinceramente. Até eu me senti uma idólatra do 35 mm no fim deste filme...

Quando achamos que o nosso companheiro de desventuras gastou melhor o dinheiro do bilhete dele porque dormiu durante o filme quase todo... está tudo dito. Argh.