E que pérola, meus caros. Já não me lembrava da última vez que tinha ido ao cinema e saído inspiradíssima, cheia de bons sentimentos e contente de ter decidido dedicar a minha vida a uma indústria tão ingrata. Tudo por pequenos momentos como este.
Nunca tinha ouvido falar de Mike Mills. Mas uma rápida pesquisa na enciclopédia poeirenta virtual diz-me que ele já tinha feito filmes, sim, e vem dos designs gráficos e dos promos, e daquelas coisas que costumam traduzir-se em desastres cinematográficos como Sucker Punch. Mas não. Não sei o que é que o homem come ao pequeno-almoço, mas claramente tem histórias pra contar, desde um documentário que faço questão de fazer aparecer magicamente no meu computador, Does Your Soul Have a Cold?, até um incrível título, Thumbsucker, sobre alguém que está viciado em... sim, em chuchar no dedo.
Mas falemos do filme. Beginners entra a matar. Continuinidade temporal is for sissies. Mas ao contrário de certos filmes que por aí andam (*espirro que soa a Tree of Life*) há uma história por detrás de tudo, e os flashbacks e flashforwards seguem-se com o prazer de construir um puzzle muito, muito bem pensado. Até aos pormenores. Aponta que eu guio.
E no fundo nada mais é que uma simples história sobre um homem atormentado pelo passado - uma mãe deliciosamente excêntrica, um pai que sai do armário, uma rapariga francesa que desafia as coisas a correrem bem, e um cão que fala em legendas - e que tem de decidir se quer arriscar num futuro, contra todo o bom senso, ou ficar preso num círculo vicioso de desapontamento. Uma história simples. Muito bem contada. Que fica no coração.
Nada é extravagante no filme. O trabalho de câmara, as luzes, mesmo a performance. Tudo no ponto. Muito francês, mas no bom sentido - no sentido que de repente somos confrontados com fotos dos anos 60, sob a voice over. Ou que se pode conhecer o amor da nossa vida numa festa de fancy dressing, e que a coitada da rapariga não fala. Mesmo coisas que nada têm a ver com a narrativa - os momentos gloriosos de vandalismo - sabem a um bom marshmallow no topo de um chocolate quente: completamente desnecessários, mas dão-lhe qualquer coisa extra.
Do que é que estão à espera? Vão ver isto. Várias vezes. Não se vão arrepender. A quantidade de frases do filme que me ficaram gravadas na mente é claramente uma prova científica que este vai ser um clássico. De uma maneira ou outra, não é tempo perdido. É um filme sem pretensões, sem grandes respostas, mas com pequenas afirmações. E sabe bem, numa altura em que parece obrigatório para este tipo de filmes serem sobre grandes temas, ver um filme que é sobre ser uma pessoa. Pura e simplesmente.
Are we married yet?