terça-feira, dezembro 16, 2008

Bolt 3D (2008), Byron Howard & Chris Williams


Hum, esta coisa do regresso do 3D ainda não me convenceu, não… vocês imaginam o aborrecido que é para uma caixa de óculos como eu ter de pôr mais um par de lunetas por cima daquelas de que depende para ver alguma coisa além de um ambiente impressionista? E quando está uma dedada numa lente, nunca saber em qual delas é? Argh…
Lassie meets Truman Show. Infelizmente o conceito não fui eu que o descobri (isto de ler críticas antes de fazer o meu comentário tem esses inconvenientes plagiariais), mas define bem aquilo que fui ver. Yah, os tipos da Disney aprenderam a mexer em computadores! E pediram ajuda a alguém da Pixar para lhes orientar umas dicas. Consta. E o que é que resultou?
Um conceito bem interessante. Um filme bom (mas só bom, não ‘bastante bom’, nem ‘bonzito’, nem ‘yah, passa’), que não sei até que ponto seria melhor se visse a versão original, sem óculos especiais (tenho de confessar que, so far, até gosto bastante da dobragem portuguesa de filmes de animação, QUANDO NÃO SÃO OS SIMPSONS, claro). Personagem preferida para mim? Os pombos. Os pombos são geniais, e não me importava de os ter ao meu lado como conselheiros de carreira. Aliens. Brutal. O hamster Rhino não é tão fofinho como o meu arquétipo de hamster
[i], e a hiperactividade é um bocado irritante, mas passa. A gata anoréctica é um bocado estereótipo, não? (não deixa de ter piada puxar o conceito para um filme de animação onde tudo, por norma, é estereótipo…). O cão, protagonista, Bolt, tem mais piada como cão normal do que como superherói. É suposto? Se calhar. A miúda parece-se com uma das personagens do Ratatuille. Coincidência? Sabe-se lá…
História, história, história… comovente, previsível, filme para miúdos que não passa assim tão bem para um público mais adulto, quando mais para um projecto de adulto obcecado com vampiros como eu. A música (aka tema principal a la Disney) dificilmente poderia ser mais irritante. Seria o 3D necessário? Não. Definitivamente não. Pelo menos desta vez não tive de pagar o extra pelos óculos (adoro quando me convidam para ser a segunda pessoa dos convites para antestreias… faz-me sentir… vipe.). Melhor filme da Disney de há muito tempo? Deuses, espero que eles não estejam assim tão mal…
Bons momentos: todos onde estavam os pombos; as sequências de acção iniciais (se bem que se não tivesse com a porcaria dos óculos era capaz de gostar mais); a sequência ‘aprender a ser cão’; os cães do canil a dizerem ‘bola?’; a perche (eu e a Kel desatámos a rir, ninguém percebeu porquê
[ii]); o feel good do filme; e é tudo. Também gostei bastante do intervalo, quando o Edward se vai matar pela Bella, mas isso não estava no filme e as luzes apagaram-se e não pude ler mais…
Momentos ridócules: a música (argh); o incêndio final (duh); os créditos finais (agora tudo que é filme de animação imita o Wall-e nisso, é?); o 3D; o miúdo da fila de trás que não se calava com perguntas idiotas; os estereótipos da gata e do agente…
Hum, rói-se, mas entre ver o Bolt e aturar o Dumas prefiro este último… menos previsível… E tem dentinhos afiados…. :D




[i] Pessoas que convivem comigo decerto sabem do que estou a falar. Parem de rir…
[ii] ‘Lena, há uma perche entre nós…’. Desculpem, hoje estou toda private jokes…

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Twilight (2008), Catherine Hardwicke


Vampiros! Vampiros! Vampiros!
Claramente, tenho de ir mais vezes ao cinema à espera de ficar desiludida, porque sempre que vou com esperança de viver umas duas horas e tal bem passadas (a não ser que estejamos a falar de um filme do Clive Owen, claro), venho para casa a gemer o dinheiro do bilhete.
E estava mesmo certa que não ia gostar da coisa. Primeiro, tenho a banda sonora há mais de um mês e ao ouvi-la lembrava-me daquelas compilações Now 26 ou assim. O cheiro a teen flick, ok, mais teenage chick flick topava-se a léguas de distância da coisa. Depois, filmes de fantasia é tão raro serem bons, ainda mais filmes de fantasia baseados num best-seller. Quer dizer, basta olharem para os Harry Potters (à excepção daquele onde o senhor Cuáron meteu as talentosas mãos). E eu sei que os livros são bons, acreditem. Mantiveram-me a viver um hype durante vários anos, eu que gosto de ver em mim uma underground.
Sim, estou numa fase de vampiros, mas é uma coisa muito mais devida ao True Blood do que, digamos, ao Moonlight. E os cartazes e trailers que via apontavam todos na direcção deste último. That is to say, oh, uma humana que gosta de um vampiro, e ninguém sabe que é um vampiro, e tal, e romance e beijinhos românticos e coiso.
[i] E digamos que o facto de ter um tal de Robert Pattinson a fazer de vampiro-mor (aka Edward), ele, uma cara bonita que se passeou durante um Harry Potter só para morrer no fim, era extremamente suspeito. Tudo parecia montado para fazer um esquema de filme de Natal, para obrigar os milhões que leram os livros (eu não me incluo no grupo, já que me recusei inconscientemente a ler as coisas ou mesmo a saber do que se tratava, numa de underground birrenta).
Arrastei-me então para o Fórum a pé debaixo de chuva torrencial no dia de estreia para ver a sessão da meia-noite e despachar a coisa (sim, porque ficar de fora de um hype literário é uma coisa, não ver o blockbuster do momento é outra…), e se bem que estava até de bom humor depois de ver o saldo da minha conta, sentei o meu crescente rabo na cadeira azul à espera de me aborrecer um bocado com os clichés vampirísticos e o amori adolescenti e tal. A excitação que estava à minha volta na sala (não cheia, mas bastante razoável para a hora e clima), onde tudo falava dos livros (eu e a Kel sentimo-nos nesse momento não undergrounds mas ignorantes), parecia indicar um déjà-vu do meu visionamento cinematográfico do Tróia (onde as duas raparigas atrás de mim passaram o filme todo a comentar os corpanzis do Pitt e Bloom…)
Começam os créditos (depois de muita publicidade e poucos trailers, como sempre), recosto-me na cadeira, abstraio-me do cheiro a pipocas e concentro-me que nem uma aluna de cinema bem educada. E ao intervalo já tomei a decisão de acordar no dia seguinte – quero dizer, dali a umas horas – para ir comprar o livro. Mensagens subliminares? Não sei. Só sabia que a história estava a ser fantástica, o filme bem feito nas horas (fotografia divinal), os actores tão mais do que caras bonitas, e até a música, discretíssima, me estava a cair bem. No final reforcei a minha ideia de ir comprar a coisa TODA, já que os restantes espectadores, especialmente as raparigas, estavam um bocado desiludidas com o filme que não chegava aos pés do livro.
E A CRÍTICA PROPRIAMENTE DITA DO FILME COMEÇA AQUI.
Não querendo estragar a surpresa aos 5% da população mundial que ainda não leram o livro, mas a história é tão mais interessante do que seria de esperar no género… Bella é uma personagem feminina forte (tão raro acontecer), independente, um bocado desastrada e com um óptimo gosto para rapazes. Edward é um vampiro (mas só o vamos saber de certeza na segunda parte do filme), rude, que tem uma grande dificuldade em articular palavras, que não sabe se quer mais morder o pescoço de Bella ou dar-lhe um beijo (no fim do filme continua sem saber), um corredor nato e leitor de pensamentos (qual Sookie Stackhouse qual quê); passeiam-se por lá mais alguns vampiros (a família adoptiva de Edward, todos lindíssimos e jovens) e, claro, os humanos aborrecidos do costume. Também há uns índios, que vivem numa reserva perto – La Push – e são, segundo as lendas, descendentes de lobos e inimigos mortais dos cold ones (isto vai dar história para a frente, de certeza). Acrescente-se que os novos colegas masculinos de Bella ficaram louquíssimos com ela, e tal.
Aspectos tremendamente positivos: fotografia lindíssima, realização de mestre, boa adaptação
[ii], bons actores, música adequada (Bella’s Lullaby, principalmente, que é o leitmotiv da coisa), não resvala para o teen pic nem sei muito bem como, vampiros que não mostram os dentinhos nem se desfazem em cinza. Também muito bom o momento em que eles vão para a floresta, o jogo de basebol, toda a questão original amor/ódio, a reprodução da capa do livro…
Aspectos menos positivos: hum, tal como a mim, a origem do filme pode assustar um bocado as coisas. Além disso, percebo agora porque é que os leitores de Meyer se podem sentir desiludidos com a coisa: afinal, o livro é riquíssimo em detalhes e nuances, coisas que o filme não pode, pelo seu tempo reduzido, reproduzir na íntegra.
Sim, claramente um óptimo cruzamento romance/sobrenatural, à lá Anne Rice. E pronto, tenho de acabar por agora porque quero comprar o segundo livro… muahahahahah. :D

[i] Para quem não sabe (já tinham saudades das notas de rodapé, não tinham? :d ), True Blood é muito mais na linha: f*de-me com força, seu vampiro charmoso, ostracizado e mauzinho que mata pessoas)
[ii] Sim, entretanto, no espaço entre uma linha e outra acabei de ler o livro. Muahahahaha.

quinta-feira, novembro 20, 2008

Ensaio Sobre a Cegueira (2008), Fernando Meirelles

Estou seriamente a pensar em consultar um psiquiatra de bloguistas ou assim, porque quando alguém como eu começa a concordar com os críticos do Público algo se passa. Algo de muito, muito mau.

Este é daqueles filmes dos quais estou à espera há muito, muito tempo e pelo qual tinha uma muito, muito grande expectativa. Primeiro, um filme do Meirelles, aqueles senhor brasileiro que consegue que eu aprecie filmes de géneros que nem são lá muito o meu cup of tea. Depois, uma adaptação de um dos meus escritores preferidos (e, há uns anos atrás, o meu único escritor vivo preferido…). Por fim, um livro que eu sempre quis ver no grande ecrã, e julgava que nunca, por causa do ‘pé atrás’ do senhor Saramago em relação às adaptações das suas obras, algo acentuado ainda mais depois daquela… coisa… chamada Jangada de Pedra…

O que acontece é que fui para o cinema com uma enorme vontade de gostar, adorar, amar, rebolar-me no chão, fazer altares, destruir carreiras, gritar alto e bom som que o filme, afinal, era MUITO BOM e não, ‘ya, come-se’, como toda a gente parecia dizer por aí. E tal como li no Público, acho que o Jorge Mourinha ou assim, senti que me via obrigada a tomar lugar na outra barricada, porque o filme não é assim tão bom. O que é estranho é que as pessoas que foram comigo sentiram-se bem impressionadas com o filme, e até vi um casal a sair mal-disposto durante a famosa cena de violação (será que se pode chamar cena de violação a um ecrã quase negro?). Será que o problema é meu, por ter lido o livro antes? Provável. Raramente me impressiono com uma adaptação fílmica quando já conheço o livro – The Handmaid’s Tale, Brave New World, Harry Potters… mesmo quando não gosto assim grande espingarda do livro, como no caso do The Da Vinci Code, a sensação é a mesma: muita coisa tirada que era importante, o filme de certo modo é mais leve, ou mais pesado, ou insiste numa linha que eu, numa visão completamente subjectiva e pessoal de leitora, não considero que seja a mais relevante. A única deliciosa excepção a isso é Perfume: The Story of A Murder, do Tykwer, mas com este senhor a minha opinião pode não ser considerada válida, porque eu o Amo Profundamente e Quero Ter Filhos Dele (e fazer filmes também).

Continuando, o que é que eu acho que falhou? Hum. Quase tudo. Empatia com as personagens: zero. Apesar da Julianne More ser uma excelente actriz, de alguma maneira não consegui me sentir tão próxima dela como da mulher do médico no filme. Verem-se as sardas não sei se contribuiu para isso – percebo o sentido de pôr a protagonista sem uma beleza hollywoodesca, mas ná… Mais, gosto da ideia de branco e negro e tal, mas que é um bocado irritante lá é. É demasiado tempo, e ter usado os planos ‘terciários’ na montagem, isto é, desenquadrados, como que filmados por um cego, etc e tal, pode parecer uma ideia fantástica quando se está desesperado para fazer a montagem resultar, ou quando, sei lá, se lê isso no blog das filmagens (eu lembro-me que achei genial na altura), mas é mais uma daquelas coisas que fora do papel não resulta lá muito bem. Falta a encenação. Falta o apelar aos sentimentos do espectador. Sim, mete mais medo o que não se vê e só se ouve do que a imagem per se (estou a pensar na malfadada cena de violação), mas como ouvi algures no trailer, pior do que ser cego é ser o único que pode ver. Por isso, por muito giro que seja apenas seguir um filme pelo som (que estava horrível, mas penso que era da sala – por favor, se me dizem que era mesmo assim vou ter com o Meirelles e parto-lhe a cara), não resulta. Não tenho nada contra o aspecto artsy da coisa (alô, grande fã do Greenaway a carregar nestas teclas), mas quando é só isso, argh. Não, não, não. Desorientação visual, porreiro, mas tal como o livro, lá por ser uma ‘história de cegos’, não se coíbe de descrever (demais, até) pormenores e tal, o filme também não devia. E nem quero começar a falar da grande ausência do mundo fora das camaratas… Filmagens subjectivas só resultam temporariamente, e quando estamos empatizados com as personagens. Por isso (dizem, ainda não tive paciência para ver) The Lady of The Lake não resultou, e por isso momentos no Perfume ou, por exemplo, a genialíssima cena da discoteca em Babel resultam tão bem: são temporários, e nós deixamos – ou até queremos – perceber o que essas curiosas personagens sentem ou vêem. Neste filme, por exemplo, quando a mulher japonesa reencontra o marido. Momento bonito. Câmara a filmar às cegas nos outros momentos: irritante.

Não posso deixar de referir que a sala, numa quarta à noite, sessão das 9, estava de lotação esgotada. Sim, nem o 007 teve esse feito ainda. O que é curioso, pensando que não conheço quase ninguém que aprecie Saramago. O facto é que muita gente foi exactamente porque era uma adaptação do nosso Nobel (e que melhor maneira de ‘ler um livro’, né?), pela polémica lá fora, mas também, espero, porque sentiam que era um filme obrigatório para nós, portugueses. Afinal o país sem nome, duh, não é preciso ser bruxo. O filme era, apesar da tentativa de multinacionalização do cast, muito, muito americano. Em mais nenhum lado há daquele tipo de estradas…

Música: a original, nada que mexesse muito com a imagem (distante, superfície); as outras, muita coisa latina, receio. Momentos bons: hum, o tal momento de reencontro entre o casal japonês, os cães a comerem as pessoas, o diálogo mulher do médico- verdadeiro cego depois da noite da violação, as cenas de desolação na cidade depois de saírem das camaratas (muito bom, o momento supermercado); notícias portuguesas no rádio portátil (sem sotaque brasileiro, graças aos deuses); chama as pessoas ao cinema.

Momentos maus: como adaptação, argh, mesmo como filme, não sei não; a filmagem ‘cega’; pior cena de sexo dos últimos anos; pouco desenvolvimento da questão do velho cego/prostituta; demasiada polémica não percebo porquê (sempre assim…)…

Enfim, sempre que espero muito pelos filmes fico desiludida… argh argh argh…

quinta-feira, novembro 13, 2008

007 - Quantum of Solace (2008), Mark Forster

Sim, é verdade, fui ver o 007. Batam-me. Quer dizer, no sentido que me vendi ao blockbuster da semana em detrimento de coisas tão mais out e underground como filmes portugueses falados em inglês, thrillers com pacinos e deniros e biografias não escandalosas realizadas pelo Oliver Stone. Ahhhh, já se adivinha no ar o cheiro a silly christmas season…

E, como devem estar lembrados (aliás, de certeza que não, que têm mais do que fazer), eu não fui ver o primeiro porque a Marie Antoinette estava na sala ao lado… E não, até hoje não me deu vontade nenhuma de o ir alugar ao videoclube, e como também, que eu saiba, não passou na televisão…

Deixemo-nos de rodeios. Fui ver o filme porque me apetecia ver o Daniel Craig em tronco nu. E nesse aspecto não fui defraldada. Mais, até posso dizer que vi mais do que esperava…

Mas voltando ao filme. Sim, muito dele me passou ao lado porque não vi a ‘primeira’ parte, mas como não sou parva nenhuma, e como todos os filmes (?) são feitos para funcionarem por si, até que percebi, se não tudo, quase tudo. Portanto a última bond girl foi morta, e ele está tão aborrecido com isso que, em actos de fazer inveja a muitas TPM’s, mata tudo e todos os que o chateiam ligeiramente. De uma maneira tal que até chateia a M. E no decorrer do filme ele consegue perceber que afinal a miúda não o tinha traído, mas morrido por ele, e a modos que ultrapassa isso (ou não).

E como não estou com disposição de fazer uma grande análise de um filme que, acima de tudo, é entretenimento e eu gosto que ele continue a ser assim na minha cabeça (também preciso, bolas), passemos às enumerações idiotas de grandes momentos e momentos dispensáveis, tão mais fáceis de fazer do que uma crítica séria conseguida. Querem crítica a sério? Peguem em 9 euros e vão comprar a Sight and Sound.

Portanto, grandes momentos: perseguição de carros inicial. Uau. Planos que só demoravam um minuto, etc etc. Mal empregado Austin Martin. A punch scene final dessa perseguição, muito boa também; o mau humor do senhor Bond, divertidíssimo; Craig em tronco nu; Craig numa mota, Craig num barco a fazer quase que uma homenagem à perseguição de carros inicial; Rapariga morta numa hommage ao Goldfinger, mas com algo hoje muito mais valioso que o ouro; momentos ocasionais de humor com a ideia de ‘dois professores de licença… que ganharam a lotaria’; a legenda ‘Londres’ com chuva a cair. Sim, tem sempre piada, mesmo no fim de saber que não é completamente verdade.

Momentos dispensáveis: os créditos iniciais, uma impressão ainda mais reforçada pela voz da Alicia Keys (agradeço a correcção, Dário) ; a mancha nas costas da Bond Girl, que parecia uma doença de pele muito repugnante, mas depois, pela lógica apenas (e não por demonstração directa), se percebe que é uma queimadura…; a Bond Girl não tem assim muito potencial, pois não? ; a sensação de que falta alguma coisa, que o filme foi feito só por ser e que Marc Forster tem andado numa de má inspiração de pelo menos 3 anos para cá; que raio era o quantum of solace, afinal? Não se percebe qual o objectivo do senhor espião inglês, de maneira nenhuma.

De qualquer maneira, entre isto e o que para aí andava nas salas, não me parece que seja tempo perdido. Não tão bom como os ‘clássicos’, e pelos vistos todos dizem que o anterior bate-lhe aos pontos. Demasiado modernaço, afinal? Para mim falhou sobretudo não ter o Daniel Craig de calções… outra vez.

quinta-feira, outubro 30, 2008

Tropic Thunder (2008), Ben Stiller

Primeiro, grande excitação à volta do Apocalipse Now realizado por Ben Stiller. Depois, na estreia, grande desilusão – eh pá, não tem assim tanta piada, e tal… Por fim, leio a muitos mil pés de altitude a crítica da Sight & Sound à coisa e, tendo de escolher entre isso e a Mamma Mia em karaoke (bolas. O poster ficaria tão bem com a cor do blog…), pensei, buga lá ver o Stiller com bíceps.

Dos trailers iniciais (ups… SPOILER ALERT! SPOILER ALERT! Ou no início não conta? Argh…) – aliás, acho que todos os filmes deviam vir com trailers incluídos no início, porque há anos que não via tanto trailer seguido sem ser interrompido por anúncios à Sumol… - dou o meu coração ao dos monges, que oportunamente me esqueci do nome… o meu delírio atingiu o clímax quando vi o Robert Downey Jr. a roçar a mão no Tobey McGuire. Deviam haver mais momentos como este… e a música.. ahhhh… Gregorian ou Il Divo ou o raio…

Quanto ao filme propriamente dito, pensei que tivesse menos piada, mas sou suspeita. Qualquer coisa que cheire a paródia do meu futuro emprego tem gargalhada garantida. Ao contrário dos médicos, que não suportam o charme do House… lá estou eu a dispersar. Tosse seca. Concentração. Vamos lá outra vez. (tenho mais false starts que um filme do Woody Allen…)

Felizmente, os receios de uma paródia idiota ao Apocalipse Now não foram infundados. E no entanto, mais do que Coppola, a coisa tem um não sei que de Kubrick que ainda não consegui isolar e identificar de forma segura,.... acho que é a sala onde se passeia Les Grossman, interpretado por um irreconhecível Tom Cruise… estive até ao fim a pensar que estava perante um irmão do Paul Giammatti.. como é possível? O homem claramente vendeu a alma ao diabo, não me lembro dele tão bom actor… (Valquírias! Valquírias!)

Stiller como realizador: bem, foi ele que nos deu o Cable Guy, certo? O homem tem estilo para a coisa, tem sim. E como actor até que se safa. Robert Downey Jr., welcome to the world again! Jack Black, a criatura gasosa… (type casting, mas que se há-de fazer…) Brandon Jackson também a dar um ar da sua graça, no pouco escondido trocadilho Alpa Chino… E Matthew McConaughey, o homem no dilema moral de escolher entre um jacto privado e o melhor amigo e cliente… sim, sim, sim…

Melhores momentos: trailers iniciais, momento do realizador a ir pelos ares em pedações de carne, o Óscar de bambu ou o raio, os grandes momentos de Stiller na versão mimo do Forrest Gump (never go full retarded!), o regresso de Tugg à segurança do helicóptero com o ‘filho’ numa atitude pouco filial, Les a dançar no final (e a minha cara quando vejo que é o Tom Cruise…), etc etc, cerimónia dos Óscares, etc etc

Menos bom: os gases são uma piada gasta, mesmo quando estão ao serviço de mostrar o quão gasta é a piada.


(adoro o poster. Vocês não adoram o poster? O poster diz tudo).

quarta-feira, outubro 22, 2008

Burn After Reading (2008), Joel & Ethan Coen

Ah, o magnífico syndrome pós-Óscar… pelo menos não foram filmar um concerto dos… deixem pensar qual é o equivalente musical dos Coen… White Stripes?

Hum, eu sei o que estão a pensar, vou falar de certeza no bom que é ver o Brad Pitt e o George Clooney, esses ícones sexuais das fêmeas heterossexuais, no mesmo filme… ná. Tenho os interruptores hormonais desligados.

Pois, o filme. Acho que devia haver um enorme cartaz à entrada da sala a dizer :’Comédia negra – i.e., não inclui humor fácil com traques e enormes mamas balouçantes.’ Os deuses sabem como me apeteceu gritar isso ao ser que batia palmas no fim enquanto falava – como se nos interessasse imenso a opinião dele – ‘eh pá, que filme tããão divertido’, enquanto o agarrava pelo colarinho e comentava maldosamente o mau gosto para sapatilhas da namorada/amiga colorida/queca ocasional. Mas tenho de dizer, em abono da verdade, que este filme é um piolhito insignificante ao pé do filme negro que para mim serve de referência nos Coen, The Big Lebovsky. De qualquer maneira, bater palmas no fim de um filme irrita-me soberanamente e as pessoas que fazem isso deviam ser levadas para Guantánamo. (a não ser, claro, no caso em que o infeliz realizador esteja na sala, e mesmo assim…)

A história é requintada – muito bem conseguida a forma como vai construindo a tensão no primeiro e segundo actos, sem que consigamos perceber que raio se passa, e de repente, quando estamos descansadinhos, zás, reviravolta inesperada (mas sobejamente anunciada, ao ver a coisa em retrospectiva… como é que eles conseguem, deuses?), e a coisa descamba. Demora um bocadinho demais a acontecer efectivamente alguma coisa, se bem que os diálogos deliciosos à lá Coen vão servindo para não morrer de tédio (e a peculiar técnica de realização, o ênfase no vazio – mesmo nos edifícios governamentais, sempre desertos -, a construção de ângulos pouco usuais, etc etc teca teca). Sim, até ao intervalo não acontece nada. Depois, o final sabe um bocado a, sei lá, maroto da parte deles, porque sabemos do destino das personagens pelo discurso e não pela imagem (coisa tão europeia, credo). E esqueceram-se de UMA!!!! Que raio aconteceu à fria, calculista e ruiva Tilda Swinton? Foi para casa polir o Óscar? Desistiu do Harry (Clooney) e inscreveu-se no ginásio? (HardBodies ou assim…) Whatever…

Grande actor do filme, e não querendo menosprezar os outros todos, mas o meu voto vai ter com o Brad Pitt. Não sei se o penteado realmente ajudou (o Bardem não se pode queixar nesse departamento…), ou se, como muitos suspeitavam (mesmo aqueles que não têm vaginas ou estilos de vida alternativos), ele é um óptimo actor. Inclino-me para a última. Ele é a encarnação da estupidez em pessoa. Clooney parece ter sido fintado pelos irmãos e ter sido posto a representar uma variante muito caricaturada de auto-biografia… McDormand – mais um penteado esquisito – parece que, de há uns anos para cá, faz sempre o mesmo papel (com pequenas variantes, ou então estou a ter muita pontaria com os filmes que vejo dela…). Malkovich para mim será sempre o francês do Johnny English (sim, mesmo depois de ter visto o Ligações Perigosas…) O Mr. Fischer dos Six Feet Under … camisa abotoada até cima, ar apaixonado desesperado…ooohhh… Swinton quero-a ver o mais depressa possível num papel de boazinha, para me decidir sobre ela.

Há música (que vai gozando com o espectador ao construir momentos de tensão para o nada…), há espiões, há uma agência de encontros pela net, há a Embaixada Russa e os ipods. Melhores momentos: quando sabemos finalmente o que Harry está a construir na garagem, o encontro de Linda com o homem dos óculos esquisitos, e, claro, Brad Pitt a sair do armário da pior maneira possível (a metáfora não é no sentido habitual, receio). Apelidos estrangeiros, bom toque.

SPOILER ALERT!

O que interessa é que a moça conseguiu o dinheiro para a operação. E o resto são balelas!

END OF SPOILER ALERT

Piores momentos: ai. Demora a desenvolver, não é um Filme Maior, não tem o Bardem atrás das pessoas com uma botija de ar comprimido. Mesmo assim fãs dos manos não vão chorar o dinheiro do bilhete. Acho eu.

segunda-feira, setembro 29, 2008

Nightwatching (2007), Peter Greenaway


Que bom que é ter a possibilidade de ver em ecrã grande um dos grandes senhores do cinema inglês e do experimentalismo cinematográfico! Ah, TAGV abençoado que (quase) nunca nos abandonas…

Greenaway, para quem não sabe, é um maluco – no bom sentido. O seu primeiro filme, The Draughstsman Contract, é uma delícia cerebral, que mostra bem a formação pictórica do seu autor. E agora, com a teatralização de um dos mais famosos quadros de Rembrandt Van Rijn, deuses, ele volta à boa forma depois de uma longa ausência dedicada à televisão e à vídeo-arte.

Primeiro que tudo, nunca me deixo de surpreender pela artificialidade dos cenários, e contudo pela sua exuberância simplista, pelo paradoxal de uma nudez muito mais natural que um figurino, pelos diálogos verdadeiramente shakespeareanos e encantatórios. Ver um filme de Greenaway é sempre uma experiência mística. Nem sempre agrada – é preciso estar no estado de espírito certo para permitir que a extravagância nos seduza, e conhecimentos do delicado sarcasmo britânico são também recomendados. Mais, qualquer intertextualidade que julguem captar quase de certeza absoluta que não é coincidência.

A história, que mistura a semiótica do quadro com a biografia do pintor, ousadamente passada na sua maioria à volta de uma cama móvel e um telhado com anjos humanos, é ousada. Pessoalmente, não sabia nada da vida do pintor: a curiosidade aguçou-se-me, sem dúvida. Mais, nunca irei olhar para a Ronda da Noite da mesma maneira. Sempre achei que era um quadro bastante aborrecido de ‘tradição italiana’. Percebi finalmente que é, sim, uma paródia a essa mesma tradição, e com pormenores bem obscenos que revelam a podridão da nobreza que o encomendou e nela está representada.

Martin Freeman, a fazer um papel sério. Dêem-nos mais disso, por favor! Não só se revela fisicamente parecido com os retratos que conhecemos do autor, como há momentos em que esquecemos que ele é o eterno apaixonado da Shaun no The Office. Por momentos, digo, porque Greenaway brinca mesmo com esse nosso conhecimento prévio e põe-no a falar directamente para a câmara, apresentando as suas mulheres, putas e conhecidas.

Os cenários são teatrais, espartanos (o que não deixa de ser estranho neste realizador), e muito, muito escuros. Aliás, a fotografia, e a ironia com que quase casualmente são representados na película os momentos de tela de Rembrandt (com especial destaque para o momento do tapete oriental, ao ar livre), estão de mestre. A escuridão que só desaparece quando por momentos passamos de uma tradição pictórica para outra, quase no fim, é omnipresente. I’m watching the night… I’m night watching………. Darkness everywhere, with occasional lights spasms, if you’re lucky…

Destaque também para a intensa banda sonora, que não é da autoria de Nyman, o eterno companheiro (as associações realizador-compositor andam ultimanente a desfazer-se em pó, vide Burton-Elfman… Que se passa?), mas de um polaco de seu nome Wlodek Pawlik e que será atentamente seguido por mim e penso que por toda a gente que teve o prazer de estar naquela sala. Aliás, nem me importo de ir parar à cadeia por sacar ilegalmente as músicas desse senhor, porque vale a pena. Mais, nem me importava de dar dinheiro por um cd ou dois ou mais desse mesmo senhor.

Não me parece que Greenaway seja um bom elemento de transição de blockbuster para filme de arte, para aqueles que querem ser iniciados no cinema mais alternativo, mas para quem já gosta de filmes fora do normal, é a melhor maneira de reafirmar e reacender uma paixão. Deve ser o único realizador ‘teatral’ que não consegue ser aborrecido, mesmo que tente. Ou o único a quem perdoamos extensões no tempo da película desnecessárias… Pensem numa mistura de João César Monteiro (o interesse e estranheza do sexo, por exemplo) com o barroco de Baz Luhrmann, alguns laivos de Lynch e sobretudo muito teatro do século XVII… nem assim conseguem imaginar o que seja, a menos que tenham visto…

E agora uma frase cliché para terminar: Um must-see de um agradável regresso.

sábado, setembro 20, 2008

Superhero Movie (2008), Craig Mazin

Todos temos momentos em que olhamos para os filmes em exibição nas salas que frequentamos e pensamos, ‘hoje quero ver uma coisa mesmo má’. E pronto. Com medo que as críticas pouco entusiásticas do Get Smart se concretizassem, resolvi ver mais um daqueles subprodutos que se baseiam no nosso conhecimento blockbusteriano para arrancar umas gargalhadazitas.

Tenho de confessar que gostei do Scary Movie. Mais, também gostei do Date Movie. Por isso até que estava com alguma curiosidade sobre este filme que supostamente gozava com os filmes de superheróis. Gargalhadas fáceis, era o que eu ia à procura.

Das duas uma, ou me tornei muito intelectual entretanto (o que é possível mas não provável), ou este subproduto de subproduto em saldo é muito, muito fraquinho dentro do género. Baseado sobretudo na história do Spiderman, com uns pequenos laivos de Batman e umas piadas gratuitas X-Men, digo-vos, como é que um filme baseado em outros filmes (e o que não falta são filmes de super-heróis!!!) é tão fraco em referências????

Mais, se vejo o Leslie Nielsen a fazer de avô de alguém em mais algum filme não respondo por mim. O homem tinha piada no Naked Gun, ok. Mas desde que ele entrou no franchise que as coisas atingiram um pico negativo impressionante. Mais, Pamela Anderson. O dinheiro para estrelas devia ser mesmo muito baixo, pela rapidez com que ela surgiu e desapareceu.

A escatologia está presente – na sua variante gasosa – mas nem isso está bem feito (eu sei porque o público-alvo para este tipo de piadas, pré-adolescentes e por aí, riu, mas com muita fraca intensidade). As piadas sexuais não são muitas (medo da classificação?), e tenho de dizer que a história está tão batida, tão batida (sem tirar partido da ironia daí inerente), que até parece um filme de superheróis ponto.

Sabemos quando um filme é mesmo mau quando o melhor do filme não foi inserido na montagem final e posto como extra durante os créditos. Sim, é verdade. As melhores piadas (algumas das quais apareciam no trailer) apareceram depois do filme acabar, todas desorganizadas, e não estamos a falar de falhas de actores. Estamos a falar efectivamente de cenas bem feitas, sem erros, que não foram inseridas no filme não sabemos porquê. Talvez se trabalhassem para pô-las no filme a coisa resultasse muito melhor. A sério. Só me comecei a rir depois dos créditos começarem!

Começo a ter a sensação que os estúdios julgam estes filmes maus (e sempre o foram, é nisso que se baseiam para resultarem!), e por isso põem qualquer um por trás deles. Ora, não é qualquer um que consegue dar estilo ou piada a um filme naturalmente mau. E não é qualquer guionista que tem habilidade para isto. Se em vez do senhor realizador Craig Mazin (Scary Movie 3 e 4, como argumentista) tivessem investido num, sei lá, num Keenen Wayans, num Arthur Semedo (deuses! Eu adoro este senhor: d) ou mesmo, à maluca, um Paul Weitz nos seus melhores dias, ou então Joel Gallan, para o desastre completo…

Meus caros senhores dos estúdios, os filmes maus também precisam de ter qualidade!!!!

No Country For Old Men (2007), Coen Brothers


A decisão de não escrever neste blog sobre filmes que não vi no cinema tem alguns revezes, como por exemplo só falar da porcaria que passa pelas salas de Coimbra ou deixar de fora filmes obtidos por meios menos... hum.... legais. Por vezes tenho a impressão que ninguém acredita que nem gosto assim tanto de cinema mainstream, ou que tenho alguns guilty pleasures de cinema mau como toda a gente. Mas enfim. Resolvi fazer uma excepção daquelas muito grandes, isto é, não só vou falar de um filme que não vi no cinema, como não vou fazer uma crítica ao filme. Vou sim fazer um magnífico paste de uma parte de um trabalho que fiz sobre o objecto em questão. Cadeira, Análise de Argumento. Não sei, apeteceu-me. Vai fazer um tremendo contraste com o meu estilo (?) habitual, mas olhem, para desenjoar um bocado.

A parte do trabalho é sobre as personagens de No Country for Old Men. As primeiras partes falavam, respectivamente, da comparação livro/argumento, e das especificidades de argumento. Ambas são demasiado 'aluno de cinema', por isso escolhi a última para pôr aqui.... aí vai.

As Personagens

MOSS

What is he supposed to be, the ultimate bad-ass?

WELLS

I don’t think that’s how I would describe him.

MOSS

How would you describe him?

WELLS

I guess I’d say… that he doesn’t have a sense of humor.

O que é afinal uma personagem principal, e daí derivado o que faz uma personagem secundária?

Segundo Ken Dancyger e Jeff Rush,

The main character differs from secondary characters in a variety of ways. The primary difference is that the main character undergoes a metamorphosis during the course of the story. On the other hand, the secondary characters do not change and, in fact, necessarly serve as a source of contrast to the main character. Through interaction with the main character, secondary characters help to move the story along.[1]

Anteriormente definimos Moss como a principal personagem do argumento de No Country For Old Men. Mas se o é, porque o vemos de forma mais distanciada do que Bell ou Chigurh? E porque morre ele no final do segundo acto?

Moss é a personagem principal porque é contra ele que o antagonista, Anton Chigurh, se move. Bell não pode ser o protagonista porque nada contribui para o desenrolar da acção. Talvez uma definição de protagonista mais adequada ao nosso objecto de estudo seja a de Yves Lavandier: Llamaremos protagonista al personaje de una obra dramática que vive el mayor conflicto, por lo tanto, a aquel con quien el espectador se identifica (emocionalmente) más. La mayor parte del tiempo se trata de un conflicto específico, también llamado conflicto central. Por eso el protagonista posee, en general, un único objetivo, que intenta alcanzar a lo largo de todo el relato y ante el que va encontrando obstáculos. Sus intentos y las dificultades a la hora de alcanzar el objetivo determinan el desarrollo de la historia, lo que llamamos la acción.[2] O espectador identifica-se com Moss porque ele é uma vítima dos acontecimentos, está em perigo, em dificuldades. O objectivo dele pode ser ficar com o dinheiro, mas isso ao espectador não está em causa: o que interessa é que, com dinheiro ou sem ele, o protagonista sobreviva. Ironicamente, quando vemos Moss pela primeira vez ele está a caçar; pouco tempo depois passa de caçador a presa.

Moss pode ser o protagonista de No Country For Old Men, mas não é um protagonista comum. Não é uma personagem ‘heróica’, e apesar da sua inteligência (esconde a mala do dinheiro na conduta do ar do motel, descobre o transmissor no meio das notas) é difícil acreditar que ele consiga fugir por muito tempo de Chigurh ou dos mexicanos. Aliás, ele nunca enfrenta os seus perseguidores; prefere fugir. O único momento de confronto é quando Moss telefona a Wells e descobre que é Chigurh que está do outro lado da linha, e o ameaça: Yeah I’m goin’ to bring you somethin’ all right. I’ve decided to make you a special project of mine. You ain’t goin’ to have to look for me at all.[3] Para Lavandier, os obstáculos não devem parecer intransponíveis pelo protagonista, ou a história deixará de fazer sentido - La idea es conseguir que el espectador se debata entre la esperanza y el temor. [4] Neste momento breve julgamos que Llewelyn estará à altura de Chigurh (afinal ele conseguiu já duas coisas impossíveis: vê-lo e ficar vivo, e atingi-lo numa perna) e as coisas poderão acabar bem: a ilusão de uma vitória de Moss torna a morte deste um choque para o espectador.

Moss despoleta toda a acção mas não percebemos quais as suas razões para agarrar na mala de dinheiro. Não nos é dada uma resposta sobre o que ele planeia fazer com aquele dinheiro todo. Mais do que sobreviver (ele sabe que se expõe ao perigo no momento em que agarra a mala), o único objectivo de Moss é ficar com o dinheiro. A sua tragic flaw é a teimosia em crer que é capaz de se desembaraçar sozinho das pessoas que o perseguem.

Mas este objectivo único, definidor de uma personagem principal, mais não parece, pela sua falta de fundamento, do que um pretexto para um despoletar de violência, um macguffin, para utilizar o termo hitchcockiano. É como se Moss fosse, além ou apesar de protagonista, uma personagem irónica, i.e., something of an innocent who unleashes a course of events that "punish him or her" far beyond what we might expect given their actions.(...) As Frye claims, the story is then pushed toward myth.[5] O argumento dos Coen, ao colocar Llewelyn Moss em primeiro plano, transforma uma história de um velho xerife avassalado pelos acontecimentos à sua volta (o que é a lei, o que era a lei antes, se a lei faz sentido) numa reflexão sobre a violência[6], não dos anos 80 em específico, mas dos nossos dias. O argumento joga com o fascínio actual da violência, com o, podemos mesmo assim chamar-lhe, erotismo do gore, e despoja-o do seu encanto, apresentando-o em toda a sua frieza, sem música de fundo. Como sublinham Dancyger e Rush, An ironic character promotes distance between us and the character, and allows us not only to sympathize with the character's plight, but also to wonder why events and people seem to conspire against him. Often, the ironic character is portrayed as an innocent victim of a person or system. This type of character is very useful when you feel that the ideas are more important than the people in your screen story.[7]

Ed Tom Bell, xerife, é o old men a quem o título se refere. Sobre ele parecem ser indicadas as palavras de Dancyger e Rush sobre “reflective agency”: a character [that] does not directly affect the action line, but rather one in which his reaction shapes the viewer’s understanding of the scene.[8] A Bell cabe aquilo que os teóricos designam de background story, a parte narrativa relativa às emoções, aos dilemas interiores. Moss e Chigurh estão envolvidos de uma forma excessivamente intensa na foreground story, orientada para a linha de acção, para se poderem permitir a existência de uma vida interior. Esse ‘peso’ recai sobre Bell, o carro-vassoura das consequências da acção dos outros dois.

De facto, Bell é um espelho para toda a acção, e se no romance de McCarthy ele se mostrava à altura de representante dos velhos tempos, intrigado pelos acontecimentos e derrotado face a eles, aqui não é mais do que uma personagem desencantada e inerte que não se quer meter em sarilhos. Ele é o comentador inconsciente do que se passa, distanciadamente. He seen the same things I seen and it made an impression on me, diz ele a certa altura, mas não acreditamos que esteja impressionado com o que viu. A frieza com que analisa as cenas de crime (realçada pelas reacções contrastantes do impressionável Wendell: Hell’s bells they even shot the dog), a sua descontracção em beber leite sentado no sofá onde sabe que horas, minutos antes esteve sentado Chigurh, a calma com que se senta no café a ler o jornal, caracterizam-no como uma personagem habituada à violência, tão habituada que está mesmo dormente perante ela, não sentindo qualquer desejo de salvar o mundo, apenas a necessidade de auto-preservação.

O momento mais emblemático do Xerife Bell é quando ele entra no quarto de Moss, pensando (acertadamente) que Chigurh está lá dentro. É o único momento em que vemos Bell demonstrar alguma coragem, algum desejo de morrer por um objectivo maior. Mas o seu desejo de valentia sai frustrado: Chigurh não o ataca. Bell perdeu a sua oportunidade de tomar o lugar de Moss, de protagonista.

Anton Chigurh é a primeira personagem que nos é apresentada; a voice over de Bell não nos diz nada sobre o xerife, não é perceptível se estamos a ouvir um narrador heterodiegético (porque a história que a voz conta se confunde com os acontecimentos do ecrã, embora haja um momento de dúvida temporal até sermos situados no presente por The crime you see now… sobreposto ao algemar das mãos de Chigurh[9]) ou uma personagem participante, como é o caso. Chigurh é a primeira personagem a agir, mas não fala. As suas acções caracterizam-no – as suas palavras só virão mais tarde.

Chigurh é a personagem com menos variantes ao longo da narrativa, mais compacta – opaca mesmo - e arquétipa. É, como já foi referido, o antagonista. É também a personagem com mais carisma, aqui entendido na definição de Dancyger e Rush. Segundo eles, as características de uma personagem carismática são as seguintes: uma imperfeição subtil; um chamamento ou sentido de missão; agressão ou intensidade polarizada; uma dimensão sexual; capacidade para convencer os outros. De uma forma mais sintética, [t]he key element is that we quickly notice that they are different, but we are not put off by them; instead, we are curious about them.[10] A associação de carisma com antagonismo não é novidade; o que é particular neste caso é que, porque Moss é uma personagem principal pouco convencional, o papel de herói – aliás, de anti-herói – recai sobre Chigurh. É ele que se mostra a personagem mais capaz de ultrapassar os obstáculos que o impedem de alcançar o seu objectivo (mesmo que não sejam obstáculos, ele faz questão de os ultrapassar na mesma). Sobre o protagonista não convencional, dizem-nos Dancyger e Rush:

The trade-off, between classic main character and the main character who shares the same quandaries and questions as the secondary character, is the loss of the hero. If one character is no more privileged than any other character, heroic action becomes, simply, action, and the dramatic struggle of the main character becomes, in one fashion or another, the struggle of each character. [11]

Esta perda do estatuto heróico do protagonista para o antagonista tem duas consequências imediatas: não acreditamos que Llewelyn Moss consiga vencer Chigurh; e sentimos uma certa empatia com este, quando nos é dado o seu ponto de vista (geralmente) triunfante.

Perhaps the similarities between protagonist and antagonist are more memorable than are the differences.[12] Chigurh partilha com Moss uma característica fundamental: o dinheiro, apesar de ser aquilo que o move, não lhe interessa. Mais do que a meta, interessa-lhe o caminho. Ele quer ser the one right tool. Corrigindo, o que lhe interessa nem é o caminho. O que lhe interessa é fazê-lo bem, e chegar ao fim. Só assim se justifica que, após a morte de Moss, vá a El Paso matar Carla Jean. Ele só atira a moeda ao ar uma única vez (no filme duas); contudo, esse acto, pela sua força e simbolismo, fica-lhe para sempre associado. Onde está uma moeda, está Chigurh. Ou esteve.


[1] DANCYNGER… p. 4

[2] LAVANDIER, Yves, La Dramaturgia: los mecanismos del relato, … p.39

[3] p. 88

[4] LAVANDIER, …p.60

[5] DANCYGER, …p. 294

[6] Não que esta linha não esteja presente no romance de McCarthy, pelo contrário – o argumento apenas a transforma na linha principal.

[7] DANCYGER, …p.10

[8] DANCYGER, … p.247-8

[9]No filme há inclusive uma dúvida temporal, pois se houver algum tipo de conhecimento prévio da história (trailer, críticas), sabemos que Chigurh é um assassino. Vendo-o ser algemado insinua, por momentos, que estamos num flash forward.

[10] DANCYGER, …p.182

[11] DANCYGER, … p. 198

[12] DANCYGER, …p.198


Filmografia

COEN, Joel & Ethan, No Country For Old Men (2007)

Bibliografia

CARRIÈRE, Jean-Paul & BONITZER, Pascal. Prática del guión cinematográfico. Barcelona: Paidós, 1998.

COEN, Joen & Ethan. No Country For Old Men - adapted screenplay. Miramax, 2007.

DANCYGER, Ken & RUSH, Jeff. Alternative Scriptwriting - Sucessfully Breaking the Rules. Oxford: Focal Press, 2007.

FIELD, Syd. Manual do Roteiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

LAVANDIER, Yves. La Dramaturgia. Ediciones Internacionales Universitarias. Madrid. 2003

MCCARTHY, Cormac. No Country For Old Men. New York: Vintage International, 2005.

MCKEE, Robert. Story - Substance, Structure, Style and the Principles of Filmmaking. New York: HarperCollins, 1997.

SOUSA, Sérgio Paulo Guimarães de,. Relações Intersemióticas entre o Cinema e a Literatura - A adaptação cinematográfica e a recepção literária do cinema. Braga: Universidade do Minho/Centro de Estudos Humanísticos, 2001.

WOODWARD, Richard. Cormac McCarthy's Venomous Fiction. 19 de April de 1992. http://www.nytimes.com/books/98/05/17/specials/mccarthy-venom.html?_r=2&oref=slogin (acedido em 11 de Junho de 2008).


quinta-feira, agosto 28, 2008

Wall-e (2008), Andrew Stanton

Quando os filmes com pessoas reais só nos desiludem, nada como apostar numa ida ao cinema para ver imagens completamente virtuais, feitas por máquinas que um dia tomarão o controlo do mundo e transformar-nos-ão em processadores de texto e plataformas para jogar GTA IV (por acaso, tenho de tratar da minha ignorância neste último aspecto…)

Primeira coisa maravilhosa extra filme: vem aí um Madagáscar 2. Após meses e meses a atrofiar com as pessoas que me incomodam no cinema, fiz toda a gente ficar incomodada com os meus gritinhos histéricos e “personificação” de pinguim. Nunca uma sequela me deixou tão esperançosa…

Segunda coisa maravilhosa extra-filme: a curta da Pixar que foi mostrada antes do filme. Ver curtas no cinema é tão raro que só posso pedir que isto se torne uma norma. É tão bom, um aperitivo antes do prato principal… Sobre um coelho e um mágico. E uma cenoura. Ahhhhhhh….

E chegamos ao filme. Estava reticente – toda a gente falava bem dele, e isso não costuma ser um bom indício para mim. Mas era uma animação, quiducha e tal. Sim, sabia a história por alto. Mas que mais havia para ver no cinema nesta altura?

Após a indescritível experiência de ver um dos filmes do ano (se não digo o filme do ano é porque ainda estamos em Agosto e está o novo dos Coen para estrear), digo-vos que este ‘ovni’ está alguns passos luz de se tornar num dos meus filmes preferidos de animação. Primeiro que tudo, é ficção científica. Sim, o meu género preferido não são chick-flicks, por estranho que pareça. Depois, é uma distopia, a minha variante preferida de ficção científica. Mais, tem as personagens mais adoráveis de sempre, para um filme desse género. Raramente falam (o que é bom, porque tive de ver a versão dobrada em português – só há quatro cópias do original em território nacional e, adivinhem, três delas estão em Lisboa…), são robots (amor à tecnologia só superado pelo amor aos animais irracionais e relâmpagos), a banda sonora é das coisas mais deliciosas – bem vindo de volta, Thomas Newman – e os créditos finais são… bolas, são geniais.

Isto conjugado com uma historia simples, de amor (uma variante de amor que não é irritante), que não se mete em aventuras para disfarçar com suberfúgios idiotas a sua simplicidade. Pixar, adoro-te profundamente. Isto sem moralidades disfarçadas (à lá Disney), e apresentando uma das personagens femininas mais fortes de sempre, sem quaisquer paternalismos – Eve. Yehhh.

E, claro está, Wall-E. Nunca um robot do lixo foi tão fofinho e outras coisas pindéricas acabadas em –inho. Cada robot com a sua mania. (palmas para o limpador incansável de sujidad).

É um filme para crianças? Definitivamente. O melhor é a maneira como um futuro horrendo (Terra coberta de lixo, humanos supra-obesos, domínio da tecnologia) é apresentado de uma forma tão natural e sem dramas. Sim, a esperança da plantinha, verdusca, que é ao mesmo tempo o que une e separa Wall-e e Eve. Mas.. nem sei explicar.

E as referências cinematográficas ao longo do filme? Além das óbvias – os musicais que Wall-e vê vezes sem conta, vi pelo menos a mais gritante a 2001 Odisseia no Espaço, e ainda Voando Sobre um Ninho de Cucos, The Hitchickers’ Guide to the Galaxy, além de todas as referências ao Admirável Mundo Novo de Huxley, Pinóquio (temos uma ‘barata’ muda a substituir o grilo falante) e a Bíblia aka História Humana em geral.

Adoro que sejam apresentados os dois lados do desenvolvimento tecnológico – a liberdade absoluta e a escravidão absoluta. Tal como as vantagens e desvantagens das máquinas ganharem personalidade própria. I’m afraid I can’t do that, Dave. Wink Wink.

Mais uma ressurreição final, é verdade. Mais uma dança no espaço. Bom ritmo, óptimo guião, excelente trabalho de animação (ainda mais tratando-se de objectos que não existem ainda). E sim, não é por acaso que a Eve tem qualquer coisa de Macintosh, a inspiração é confessada. O que torna o Wall-e… hum…

Para ver muitas vezes até enjoar, se isso for possível. O melhor substituto do ET para os tempos modernos. E isto é um enorme elogio, acreditem.

sexta-feira, agosto 08, 2008

The Dark Knight (2008), Christopher Nolan


Why so Serious?

Ao fim de meses e meses de espera, eis que podemos ver o “filme do ano”, a única coisa que por aí andava com um hype ainda maior que o IPhone – e isso é dizer mesmo, mesmo muito. Com o seu primeiro filme, Batman Begins – um reload da série Batman, que teve a sua primeira aparição nos anos 60 na televisão – Nolan tinham posto no caixote do lixo os devaneios assustadores de Schumacher, com aquelas coisas coisas chamadas Batman Forever e Batman & Robin – sim, todos nos lembramos deste último dos belíssimos mamilos de George Clooney, mais do que da história propriamente dita.

Com The Dark Knight, lamento dizer, não perfilho a opinião do crítico do Público Jorge Mourinha – que para o caixote do lixo vão os incontornáveis filmes de Tim Burton. Snif. Só me consola o facto que o próprio nunca gostou muito deles - qual é o mal de serem cartoonescos???

Primeiro que tudo, Christian Bale foi talhado para vestir a pele – e as cicatrizes – do Cavaleiro Negro. Não só tem o queixo ideal requerido para o papel (com uma voz grossa estranhíssima quando enverga a máscara), como o ar de menino mimado aka Bruce Wayne. Aaron Eckhart finalmente nos dá as origens do Harvey Two-Faces (sim, eu posso ser uma gaja, mas mitologia batmánica é comigo – não tanto como história inglesa, mas dou uns toques), com o seu ar de bom partido completamente estragado por um bocado de gasolina. Michael Caine é o mordomo inglês que todos gostaríamos de ter, Gary Oldman a jogar contra o que nos tem habituado (Sirius Black! Sirius Black!) no papel do dúbio polícia Jim Gordon, e, claro, a garota de serviço, ? , a fazer inveja a muita namorada de super-herói, pois nem todas têm o prazer de, efectivamente, não serem salvas pelo seu bem querido, ou de darem os pés a esse mesmo bem querido ignorando ele o facto.

Não me esqueci de ninguém, pois não? Continuando…

Sim, estamos numa América negra, não um negro Burton (sempre estilizado e onde o roxo fica sempre bem), mas numa negritude realista, onde não é bem banda desenhada que vemos quando olhamos para os prédios a explodir, mas mais o telejornal da noite. O filme começa, inteligentemente, à luz do dia. Nem só de noite explodem coisas.

Batman como o herói de que Gotham merece. Um anti-herói fora-da-lei que assume os assassinatos feitos pelo ‘herói’ Harvey para que ele possa ficar branco e limpo aos olhos dos cidadãos. Finalmente Bruce parecia poder pendurar as orelhas de morcego e dedicar-se a Rachel – surgira alguém capaz de fazer o trabalho por ele (genial os wannabe Batmans ) – mas não cedo se apercebe que afinal não só Rachel deixara de se a ‘única possibilidade de uma vida normal’ como ninguém conseguia ser negro o suficiente como ele, sem se deixar corromper pelos vagos desejos de vingança.

Música muito ousada para blockbuster – ouvi laivos de minimalismo repetitivista???? -, grande trabalho de fotografia, excelente desenho do BatLab (todos o adoramos, certo?), e queremos ver mais vezes o Batman de mota ou de Lamborghini, porque é bem giro.

Grandes momentos: Joker.

Piores momentos: que raio aconteceu ao Joker, afinal?

Será que consigo ignorar por mais tempo? Não.

Bolas, não, não acho que o filme seja o novo Laranja Mecânica. Sorry. Mas temos um novo Alex, isso sim. Heath Leadger, assustadoramente ausente desta personagem (no melhor sentido possível), que nos enche de calafrios por ser impossível não pensar em coisas extra-película quando o vemos chegar ‘morto’ dentro de uns sacos de plástico ao escritório de um dos patrões da Máfia, e que dá um colorido muito mais que roxo ao filme – sem ele, nem metade do bom o filme teria sido. O assalto inicial dá o tom ao filme, nunca mais esqueceremos o momento do hospital – com Leadger vestido de enfermeira -, ou mesmo os seus requintes de malvadez enquanto persegue o Batman com um camião. David Denby tem uma frase fantástica acerca dele: He’s part freaky clown, part Alice Cooper the morning after, and all actor. E quanto aos momentos nos barcos? Delicioso. Sim, dêem a porcaria do homenzinho dourado ao rapaz! Ele nunca esteve tão bem. E eu sigo-o atentamente desde o 10 Coisas que Odeio em Ti. [1] É claro que agora o meu lugar de psicopata preferido se encontra bastante tremido entre o Joker, Chigurh e, claro, Alex. Argh, escolhas difíceis…

Mal posso esperar para o ver em The Imaginarius of Doctor Parnassus.

(não faço ideia porque raio os 1s estão tão grandes... joker??)


[1] Que, ao contrário do que muitos julgam, não é só um chick flick mas, primeiro que tudo, uma adaptação modernaça de uma peça de Shakespeare, The Taming of the Shrew.

Funny Games US (2008), Michael Haneke

Qualquer pretensioso cinéfilo que se preze conhece (nem que seja só de nome ou polémica) a obra do alemão demente Senhor Haneke, e eu não sou excepção – A Pianista foi de longe um dos filmes mais poderosos que vi, antes de saber mesmo como se ligava uma câmara & quem constituía o Novo Cinema Alemão dos anos 70…

Funny Games (falo do original) era daqueles filmes que estava na minha interminável lista de filmes a ver um dia, um objecto que tinha a impressão de conhecer na totalidade sem nunca ter visto, graças aos magníficos livros sobre guionismo & análise de filmes & cinema pós-moderno que tive de papar durante o curso. Por isso, ao ver escarrapachada da capa da Sight & Sound[1] que havia um remake americano a estrear, ainda mais dirigido pelo próprio Haneke (sim, não é só o Lucas que gosta de refazer os seus filmes), senti uma alegria imensa de poder ver o filme ‘actualizado’ e com um cast de categoria.

Não faço a mínima ideia quais as mudanças (ou se há mesmo mudanças) em relação ao original, por isso abstenho-me de falar disso (tretas que cada filme deve ser analisado per se e o mais possível sem referências externas apoiam-me nisto). Uma coisa é certa: Haneke não é para estômagos fáceis, e temos de estar preparados para aturar filosofia dos media de cada vez que nos concedemos ver um filme do senhor. O casal que teve o prazer de partilhar a sala de cinema comigo não estava a achar grande piada – aliás, acredito que Haneke ia achar genial a reacção do rapaz ao momento em que Pitt faz rewind na acção, destruindo a momentânea felicidade do espectador por ver justiça feita (e uma antevisão de final feliz).

Michael Pitt, digo já, nasceu para fazer papéis de psicopata. Naomi Watts, como vítima indefesa, ou dona de casa, fica um pouco na sombra. Roth está acima das minhas míseras palavras. A fotografia é, como já nos acostumámos nos filmes deste senhor realizador, uma carta muito forte. Palmas para Darius Khondji, que já tínhamos encontrado em algo completamente diferente como My Blueberry Nights, Se7en e Delicatessen. O mais chocante para mim, eu, a inimpressionável, foi a utilização da música. O contraste entre clássica e heavy rock… arrepia-me. Bastante potente foi também o anticlímax, que não conhecia.

É uma história forte, sobre a influência dos media na violência juvenil, mas que ironicamente se assume também como uma glorificação da violência, acrescentando que o espectador é um cúmplice passivo e indefeso, por muito paradoxal que isto possa parecer. Haneke afirmou em entrevista que a principal razão deste remake era levar a mensagem a um público mais alargado (ele sabe como a maior parte dos americanos é alérgico a legendas…), e faz assim um filme anti-Hollywood no seio do próprio.

Shall we end? Não causou tanto impacto como eu queria que causasse (o saber a história antecipadamente, ou talvez achar o tema da Pianista mais perturbante – afinal, já passaram dez anos desde que o original foi feito, entretanto o cinema tem-se tornado… hum… deliciosamente weirdo, nalgumas correntes - e não é claramente um bom filme para quem não sabe ao que vai, mas vale a pena, quanto mais não seja para os intelectualóides se sentirem perturbados e os outros se deliciarem com sangue, tripas, tortura e a Naomi Watts de roupa interior, amarrada, a saltar. Cada um com o seu gore…



[1] Reparem como a autora, aparentemente em tom de gozo quando fala de pretensiosos cinéfilos, deixa casualmente cair uma referência intelectualóide para mostrar a sua imensurável superioridade perante leitores de Empire & Total Film & Premiere & Tv Guia

Los Borgia (2006), Antonio Hernández


Há dias em que, não sabendo o que ir ver ao cinema, escolho a produção europeia e desconhecida. Mais, numa semana em que fomos deliciosamente presenciados pela segunda temporada dos Tudors na 2:, diariamente em dose dupla, pareceu-me boa ideia ir ver um filme espanhol que falasse dos devassos Bórgia.

Mas porque é que ninguém me dá uma estalada quando tenho estas ideias peregrinas?

Pondo de lado o facto que filmes em língua espanhola são normalmente irritantes (excepções honrosas feitas para alguns filmes, por exemplo, O Labirinto do Fauno), e pondo de lado que os Tudor elevaram os padrões da reconstituição histórica a um nível bastante elevado, estamos perante um filme completamente dispensável de ter estreado em sala. Quer dizer, privaram-nos do prazer de ver The Underdog em ecrã grande, e põem lá esta paneleirice?

Exactidão histórica – ao nível de pormenores não faço a mínima, mas parece que seguiram as linhas gerais. Conseguiram a proeza de ter a Lucrécia Bórgia mais irritante de sempre, o que é qualquer coisa. E o irmão – será a personagem principal? – também é bastante espanhol…. Argh. Era suposto ser italiano, não????

Mais - o pior trabalho de iluminação de sempre. Sempre a pôr sombras nos sítios que deviam ser de relevo, e luzes nas zonas que pura e simplesmente não interessam. Narrativa? Tentam pôr o Rossio na Betesga, comprimindo não sei quantos anos de história (muitos) em quase três horas, sem fazer qualquer trabalho de selecção de acontecimentos relevantes. Aliás, põem o mesmo ênfase nos três principais membros da família (Alexandre, Carlos e Lucrécia), mas um ênfase tão superficial que podiam aprender com qualquer novela de horário nobre. Não, não nos apresenta às personagens – elas mexem-se, falam-se, mas para nós tanto nos faz. A construção dramática (um empolar de acontecimentos a caminho de um clímax) é inexistente. Os actores, credo, não me façam começar a falar. Roupas giras? Nem reparei. Os meus bocejos frequentes não me deixaram ver.

Bons momentos: bem, eu tinha saudades de não gostar mesmo nada de um filme…

Música: o mesmo tema, aliás, o mesmo excerto de tema repetido vezes sem conta, mesmo quando era absolutamente necessário, por motivos dramáticos, um tipo de música mais apropriado. Sim, eu de vez em quando faço isso nas curtas, mas, 1º são curtas; 2º, é com intenção cómica.

Mais uma coisa: as referências constantes ao reino de Portugal irritaram-me fortemente, e eu até que sou anti-patriótica. Mas isto vindo de um país que na altura nem país era… Cabrones.


(pelos vistos em DVD tem mais uma hora e tal... hum... mas porque raio insistem em estrear em sala mini-séries condensadas, porquê????)