Um filme tão longo como o seu título. Ouch. Três horas de um pós-western compassado, um ensaio sobre o que Harold Bloom chamou, num famoso livro, a “ansiedade da influência”.
Comecemos pela superfície. É de longe um dos mais belos filmes do ano, com uma fotografia que tenta imitar as fotografias da época, em sépia tantas vezes desfocado nos cantos, como que se a referência à fotografia, uma esperança de (falsa) imortalidade, mais contribuísse para a construção simbólica da trama reflexiva do filme. Porque a nomeação “ensaio” nas linhas anteriores não foi acidental. Um movie é entretenimento. Aqui, estamos perante uma opus.
Mas continuando no reino das aparências, a referência imediata ao peculiar estilo de realização do estreante Andrew Dominik é, sem sombra de dúvidas, o mercurial Terence Malick, não nos seus aspectos dogmáticos (a filmagem em luz natural, o improviso), mas no que é, a meu ver, mais importante – a poesis cinematográfica, mais do que a construção épica, o (re)fazer de uma mitologia. Porque os planos são longos, arrastados, fazendo visceral a percepção do tempo, mas nunca logrando tentar os limites de resistência do espectador (uma qualidade rara, diga-se, em filmes do género) – a beleza sublima-se, nunca tocando a exaustão visual.
A música tem uma notoriedade de apontamento, pontuando levemente a imagem, nunca a violando – um trabalho notável e sensível por Nick Cave, que aparece trovando a história de que o título nos fala, num bar onde o cobarde Robert Ford medita amargamente sobre os reveses da fama. Ford esse interpretado por um underacting Casey Affleck, que se revela o admirador assassino necessário para um flamejante suicidário Brad Pitt, no papel de Jesse O Homem, mais que Jesse a Lenda. A escolha dos actores, aventuro-me a sugerir, passa por muito mais que as competências provadas de cada um – é quase que um prolongamento do ego. Casey viveu muitos anos à sombra do irmão Ben; Pitt convive com a Fama desde os dias em que o seu cabelo lhe ultrapassava os ombros.
O engano fulcral do filme, a sua armadilha e, creio eu, o porquê da extensão e definitividade narrativa do título cinge-se simplesmente a algo que passou despercebido a muitos: a personagem principal pode ser Jesse James, mas é a personagem de Ford que guia a narrativa, convertendo-se no principal motor dos acontecimentos. Assim, o centro temático do filme não é o assassinato e morte de James – algo que todos sabemos que vai acontecer e resolvido sem esplendor, dando a impressão mais de um suicídio voluntário do que um homicídio – mas as motivações e dúvidas de Ford, que julga conseguir, à semelhança de algumas tribos que comem o cérebro dos inimigos, adquirir a força do seu ídolo destruindo-o. Como que no antigo teatro grego, o que interessa não é o acontecimento em si – Édipo que mata o pai e dorme com a mãe – mas que reflexão se pode daí retirar.
Por isso continua o filme depois do desaparecimento de J. James – mesmo morto, assombra Ford. A repetição constante do crime no teatro, para agradar às pessoas – metáfora do palco mediático dos nossos dias? – imprime uma dúvida perniciosa em Ford, que se apercebe que, longe de eliminar o ídolo, elevou-o a deus. E quem mata os deuses não se torna igual a eles, muito pelo contrário. Ninguém tira fotos ao corpo morto de Ford, ninguém se importa que ele tenha morrido de todo – ninguém sabe quem ele é, ninguém colecciona as suas histórias e as guarda religiosamente debaixo da cama, ninguém.
Ford julgava que tinha de matar Jesse, o seu ídolo, para poder ser alguém, para sair da sombra, para o ultrapassar em audácia. O cobarde Robert Ford não falhou o tiro, mas falhou o acto.
(para um filme sério, uma (pseudo)-crítica séria. para desenjoar um bocadinho, também).
2 comentários:
(blargh!) Porque é que a crítica séria tem de ter sempre este aspecto de texto de ensaio?
1. isto não é uma crítica séria;
2. bem, deve ser porque as mensagens telegráficas ou opiniões pessoais não justificadas são muito fáceis de abater...
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