segunda-feira, março 24, 2008

Lust, Caution (2007), Ang Lee


Depois de Brokeback Mountain, que entusiasmou toda a gente menos eu (tenho algum problema, quase de certeza), Lee vem filmar pela primeira vez o banal amor heterossexual.


E antes mesmo de falar do objecto em si, deixem-me divagar um bocado sobre a maneira como Lee entende o sexo, mais conhecido pelo pseudónimo de amor. Para Lee – convém avisar que este é o segundo filme dele que vejo, por isso posso estar a meter-me em águas profundas sem salva-vidas, e entender uma tendência recente como marca de autor, mas pronto, vamos lá saltar pela borda – o sexo/amor é sempre uma relação de dominação, de dono e dominado, algo aparentemente calmo à superfície mas que borbulha qual lava incandescente nos momentos mais inesperados. Já no filme anterior, não havia dúvidas de quem era o ‘homem’ da tenda (curiosamente o mais feminino na sua sensibilidade, se compreendem o que quero dizer). Agora, após estas cenas nada românticas de sexo – pornografia hardcore, sem a parte pornográfica propriamente dita – a temática da dominação parece-me evidente: primeiro, o senhor Yee (Tony Leung Chiu Wai), depois a espia Wong Chia Chi (a estreante Wei Tang) que o conquista pelo amor (ou seja lá o que for) e passa de dominada a dominadora. Bem, senhor Lee, a sua visão do amor consegue ser ainda mais negra que a minha, credo…


Não posso deixar de notar a qualidade composicional de Lee, principalmente nas muito faladas cenas de majhong, onde o vazio existencial das personagens grita silenciosamente. Os diálogos, aliás, o uso da conversação como trilha sonora (quero dizer, barulho de fundo) é igualmente notável. O tratamento de cor é delicioso – como aliás em quase todos os filmes de realizadores orientais.

A história começa in media res (quase no fim, para ser específica), e na primeira meia hora torna-se complicado perceber o que raio se está a passar – se forem como eu, com uma péssima memória para caras, ainda vai ser pior. Mas enfim voltamos ao inicio, e a partir daí tudo se segue como mandam as regras aborrecidas da continuidade temporal. É de realçar o excelente trabalho de representação da actriz principal, que consegue ser credível quer como rapariga inocente do grupo de teatro quer como Mata Hari implacável, que comete o único erro de se apaixonar (ohhhhhhhhh) pela sua suposta vítima, um implacável general chinês. Sim, porque até o pequeno Hitler de olhos em bico merece um pouco de amori. A nossa empatia pela personagem masculina até é fácil, já que, tirando o sexo à bruta com a protagonista – dentadinhas e chicotadas de paixão, se me faço entender – não o vemos a maltratar ninguém. Isto até ao fim, que me impeço de estragar, ainda mais porque considero que é o grande momento do filme (e não estou a ser irónica). E sim, a última imagem é mais uma vez um signo de ausência, este um pouco mais doloroso ainda porque… ah, não posso contar. Por isso, até que nos identificamos com a pobre rapariga, já que todas gostamos de homens poderosos de uniforme (ou não).

Grandes momentos: os jogos de majhong (que lá é jogado tipo póquer, não em frente a um computador a pingar baba), o momento quase final, em que a protagonista fica presa no meio do transito e subitamente não sabemos que raio vai acontecer, ou aconteceu; o treino sexual com o amigalhaço anti-regime (não aquele que gosta dela, outro, só para verem a demência dos revolucionários), e uma imagem plástica que dá vontade de trincar. Tem o seu quê de filme noir oriental (ou então é por eu andar com os noirs pelos cabelos); a femme fatale, a traição, as pistolas, os cigarros, os pastéis de nata (sim, eu vi pastéis de nata, não estava a sonhar!), etc etc etc.

Maus momentos? Bem, é um bom filme, mas não arrebata. E eu preciso de ser arrebatada, arrebanhada, sentir a lagrimazinha ao canto do olho. Sim, é um filme frio. Mas não deixa de ser interessante de se ver.

1 comentário:

Fernando Oliveira disse...

cá está! uma critica (semi) séria, com marca de autor (da critica) e onde se pode reconhecer uma opinião séria e sustendada sobre o filme. Sem o cinzentismo de quem tem a enciclopédia (ou a wikipédia) ao lado, nem a exigir o mesmo a quem o lê.