É sempre bom ir a uma antestreia, pensei eu enquanto me sentava numa cadeira partida no Dolce Vita. Pelo preço que os bilhetes estão, cinema à pala… nem que fosse o Rambo.
E pelos vistos foi mesmo bom ir ver o filme na antestreia, porque parece que, pouco tempo depois, a fita ardeu. Eu já tinha ouvido falar da ‘maldição de Woody Allen’, mas pensei que se estavam a referir a uma coisa bem diferente…
Portanto, depois de ver mais um filme do Allen em más condições – o filme não tinha começado há 5 minutos e caiu a imagem, acenderam-se as luzes, continuou depois, e de repente a meio do filme ficamos com a linha de vermelhos em extra saturação, durante uma boa meia-hora, e NINGUÉM REPARA[i] – que posso dizer eu? Bem, ainda bem que não estava em funções profissionais, primeiro; segundo, pagar 5 euros para ver uma fita a arder deve ser qualquer coisa, tens de me falar disso, Dário; terceiro, será que a ‘maldição Woody Allen’ - a outra – terminou? Hum…
Não é um Match Point – este filme grita ‘Wooooody!!!!!’ do início ao fim; tem qualquer coisa de Jules et Jim – triângulo amoroso, montagem livre, desfocagens, a voz irónica e distanciada do narrador –, com a vantagem de não ser falado em francês. Uhhhh…. Quem é o alter ego do realizador aqui? A personagem de Vicky, sem sombra nenhuma – a intelectual frustrada e neurótica. E há mesmo um género sobre americanos perdidos na imensidão cultural americana? As coisas que aprendo a ler o Público. Sim, este filme insere-se aí, sem sombra de dúvidas.
E se bem que Johansonn a fazer de rapariga insatisfeita com a vida e com pretensões artísticas, sempre em busca de mais e melhor[ii], e a ‘ ‘ com a sua vida certinha e aborrecida estão muito bem, o filme torna-se incrivelmente bom a partir do momento em que Bardem, com a sua camisa vermelha estrategicamente desabotoada e a sua personagem Juan Antonio estrategicamente desbocado, entra em cena. E quando julgávamos que a coisa não podia ser melhor, ao som da grande guitarra espanhola e tal, eis senão quando uma Penélope Cruz de jardineiras entra de rompante pela cena. Deuses, que mulher! Que furacão! Que grande pedaço lésbico de mim que se entusiasmou com aquelas pinceladas abstractas!
Além do velho cinismo de Woody sobre as relações amorosas, que desconfio ser o que mais adoro nele – afinal, estamos a falar de um tipo que tem uma relação amorosa com a ex-ENTEADA -, e o piscar de olhos a dois estilos de vida absolutamente opostos e que, afinal de contas, têm os dois os seus grandes e obtusos inconvenientes (falo das rapariguinhas americanas, claro, nada há de inconveniente em ser o senhor Bardem nesta altura do campeonato, ainda mais quando tem um penteado decente), temos também o rasar reflexivo sobre as relações amorosas entre artistas, e sobre a Arte Itself.
Melhores momentos: todos os com a Penélope Cruz, a voz irónica e distanciada do narrador, a original abordagem de Juan Antonio às duas raparigas, Cristina a vomitar nos preliminares, todo o trabalho de fotografia (digo, excepto a meia-hora estragada pelo projeccionista do Lusomundo Dolce Vita), o ménàge, o final que nada resolve, para variar.
Piores momentos não decorrentes da falta de pessoal tecnicamente qualificado nos grandes multiplexes dos nossos dias: não sei, não me lembro. Pode não ser uma obra prima, pode cheirar a Woody Allen a quilómetros de distância, mas afinal, foi com isso que eu fui a contar, claro. Alguma saudade de ver um dos piores actores de sempre (nas palavras do próprio) com os seus óculos e cabelo branco nos seus filmes. Parece que matou literalmente essa sua parte no Scoop, quando se estampou com aquele carro minúsculo… (ah, a beleza de conduzir pela esquerda…)
[i] é que ainda por cima foi a meio do filme a preto e branco, que se me varreu qual era, tal foi a minha raiva pelo que estava a acontecer…
[ii] e aqui entra o MEU alter-ego… he he he…
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