Ainda tive a tentação de fazer copy paste do veneno que destilei sobre este filme na edição d’A Cabra, mas depois pensei: bolas, pareço um crítico do Público, tenho de aprender a conter-me, senão ainda corro o risco de ser tomada por séria.
A maior desilusão do ano, para mim – o que é diferente de ser o pior filme do ano (tenho de começar a fazer esses tops anuais, para ver até que ponto consigo pensar com quilos e quilos de torta de Natal no estômago.). Pelo menos até agora. Falava-se de uma sequela a Elizabeth desde 2003, se não estou em erro. O projecto atrasou-se porque Blanchett mostrou-se reticente em voltar ao papel. Vendo o filme, percebo porquê. É terrível de se escrever, mas alguém tem de o fazer – que sequela desnecessária! Quase tão idiota como as do Matrix.
Lá estou eu outra vez a verter veneno. Deixem-me então poupar tempo precioso (está quase a começar a Letra L, dêem um desconto) e fazer o tal copy-paste:
Quase 10 anos após o sucesso de Elizabeth, Kapur volta a debruçar-se sobre uma das figuras mais fascinantes da história inglesa.
Se o primeiro filme fora descrito como um poderosíssimo ensaio sobre a dimensão claustrofóbica do poder absoluto, Elizabeth: A Idade do Ouro peca por não conseguir alcançar a complexidade de sentidos do seu predecessor. Sem medo de romancear factos, Kapur coloca uma Elizabeth (Cate Blanchett) envelhecida a debater-se entre os deveres reais – a traição de Mary Stuart, o iminente ataque espanhol - e o charme do pirata Walter Raleigh (Clive Owen). Durante o filme, não conseguimos deixar de pensar que toda a história não passa de um pretexto para ver Blanchett novamente em figurinos de época e para fazer paralelos visuais com ícones religiosos da Idade Média, insistindo ad nauseam na imagem da Rainha/Virgem Maria, rodeada de uma aura de santidade que simplesmente não funciona quando, sem qualquer tipo de ponte, é posta ao lado dos ciúmes terrivelmente humanos de Elizabeth a mulher.
Visualmente arrebatador – Kapur é sem dúvida um virtuoso da técnica -, é na fotografia e mise-en-scène que o filme mostra a sua força. Infelizmente, nem sempre o conteúdo acompanha a forma. Mesmo o momento alto do filme, a batalha naval (apresentada numa pertinente montagem paralela), não cumpre as expectativas épicas geradas: é curta e não sabe construir qualquer tipo de tensão. Mesmo Blanchett, no regresso ao papel que a confirmou como grande actriz, fica sufocada pela imensidão e luminosidade dos espaços em que se movimenta. Não mais a reflexão sobre o peso do poder: o que há neste filme é o melodrama barato em roupa de época ao jeito de Errol Flynn, um tratamento simplista do envelhecer da rainha, a queda em estereótipos demasiado fáceis – os fanáticos espanhóis saídos de um quadro de El Greco, uma Mary Stuart (Samantha Morton) ambiciosa e beata –, as frases grandiosas que ficam bem no trailer, e resta a pergunta: era mesmo necessário? 3/5
Que ruindade, não acham? Felizmente, por razões de espaço, não pude dizer tudo o que me ia na alma. Mas, uh lá lá, eis-me perante a folha branca interminável da Internet. O que é que falta dizer?
Não sei se quero falar das incongruências históricas do filme. Porque eu, por acaso, até que leio sobre a época Tudor desde os meus tenros 12 aninhos – e livros de historiadores e ensaios sobre desde os 14. As chamadas liberdades ficcionais são perfeitamente admissíveis, porque é de um filme que se trata, ora bolas, uma possível obra de arte. Ninguém manda e-mails ao Dali a dizer que os relógios são coisas bastante sólidas e não têm por hábito derreter (deve ser a má qualidade dos produtos espanhóis, digo eu…) Deixem-me só dizer que a primeira falha vem logo no título : a chamada Idade do Ouro isabelina começa depois da derrota da Armada Invencível, não antes. E chega de erudição não cinematográfica gratuita.
A banda sonora. O que é aquilo, deuses? (vejo na cábula imdbiana que o responsável pela coisa é um tal de Craig Armstrong). Um bocado desfasada, a armar ao épico moderno. Acalmem-se os meus quatro amis que vão ler isto: eu adoro épicos a armar ao pingarelho modernaço – veja-se a minha crítica de Marie Antoinette, que continuo a defender mesmo quando as bombas me caírem em cima. Mas esta música… se calhar o problema não é bem da música (e aí vai a private joke para aqueles que contactam comigo no mundo empírico: Temos de dar um desconto porque é de música… ) mas sim da junção da música à imagem. A sério, não consigo explicar melhor: os capa e espada à lá Merry England dos anos 40, só que com dollies, filtros e efeitos digitais.
Depois, eu continuo na minha: o Clive Owen tem os dentes demasiado brancos para fazer um pirata credível. Relembro os dentes de Geoffrey Rush não no Elizabeth original (porque o de ’98 era o original, este é a fotocópia com falta de tonner[1])[2] mas em A Paixão de Shakespeare. Aquilo sim, era uma dentadura isabelina. E já que falamos desse filme tão levezinho e no entanto recheado de pormenores deliciosos (basta dizer que um dos argumentistas foi Tom Stoppard, e se não sabem quem é este, google it!), acrescento que aí sim, uma rainha velha. Se o ataque espanhol foi em 1586, e o filme com Lady Judy Dench se passa em 1593, não acham que Blancehtt está demasiado bem conservada para uma mulher de 40 e tais anos, numa era em que – como lembrava a minha prof de História – não havia pasta de dentes ou aspirinas?
Pena tenho de não se terem decidido em explorar de forma decente os namoricos proibidos da Rainha, ou então fazerem um retrato decente do clima de conspiração. Aquela ideia da filha de Filipe II com a boneca de Elizabeth está genial – mas resultaria muito melhor como punch line para o espectador ao mesmo tempo que para o pai: perde a força porque é uma realidade que nos é apresentada poucos minutos depois do filme começar. A batalha naval não perderia nada em ser uns minutos mais longa – quiçá construir qualquer tensão/resolução – já que é (se calhar devia mandar o livro de guinismo ao sr. Kapur pelo correio – o Clímax. Ou, noutras palavras, porque estou numa de me soltar, o grande O do filme.
Não cai nenhum santinho se forem ver o filme – a não ser que vos impinjam uns óculos 3D de 1.50, ou tenham de pagar o bilhete normal sem nenhum tipo de desconto – aí têm o direito de se sentirem roubados. Mas se tiverem uma qualquer promoção TMN para aproveitar, ou desconto de Capitão Jovem, ou coisa assim, e principalmente se não tiverem visto o primeiro, não tendo assim qualquer ideia do bom que o sr. Kapur pode ser com um orçamento tão mais reduzido, até que é bom entretenimento. Mas também o é a masturbação e sai mais barata.[3]
A maior desilusão do ano, para mim – o que é diferente de ser o pior filme do ano (tenho de começar a fazer esses tops anuais, para ver até que ponto consigo pensar com quilos e quilos de torta de Natal no estômago.). Pelo menos até agora. Falava-se de uma sequela a Elizabeth desde 2003, se não estou em erro. O projecto atrasou-se porque Blanchett mostrou-se reticente em voltar ao papel. Vendo o filme, percebo porquê. É terrível de se escrever, mas alguém tem de o fazer – que sequela desnecessária! Quase tão idiota como as do Matrix.
Lá estou eu outra vez a verter veneno. Deixem-me então poupar tempo precioso (está quase a começar a Letra L, dêem um desconto) e fazer o tal copy-paste:
Quase 10 anos após o sucesso de Elizabeth, Kapur volta a debruçar-se sobre uma das figuras mais fascinantes da história inglesa.
Se o primeiro filme fora descrito como um poderosíssimo ensaio sobre a dimensão claustrofóbica do poder absoluto, Elizabeth: A Idade do Ouro peca por não conseguir alcançar a complexidade de sentidos do seu predecessor. Sem medo de romancear factos, Kapur coloca uma Elizabeth (Cate Blanchett) envelhecida a debater-se entre os deveres reais – a traição de Mary Stuart, o iminente ataque espanhol - e o charme do pirata Walter Raleigh (Clive Owen). Durante o filme, não conseguimos deixar de pensar que toda a história não passa de um pretexto para ver Blanchett novamente em figurinos de época e para fazer paralelos visuais com ícones religiosos da Idade Média, insistindo ad nauseam na imagem da Rainha/Virgem Maria, rodeada de uma aura de santidade que simplesmente não funciona quando, sem qualquer tipo de ponte, é posta ao lado dos ciúmes terrivelmente humanos de Elizabeth a mulher.
Visualmente arrebatador – Kapur é sem dúvida um virtuoso da técnica -, é na fotografia e mise-en-scène que o filme mostra a sua força. Infelizmente, nem sempre o conteúdo acompanha a forma. Mesmo o momento alto do filme, a batalha naval (apresentada numa pertinente montagem paralela), não cumpre as expectativas épicas geradas: é curta e não sabe construir qualquer tipo de tensão. Mesmo Blanchett, no regresso ao papel que a confirmou como grande actriz, fica sufocada pela imensidão e luminosidade dos espaços em que se movimenta. Não mais a reflexão sobre o peso do poder: o que há neste filme é o melodrama barato em roupa de época ao jeito de Errol Flynn, um tratamento simplista do envelhecer da rainha, a queda em estereótipos demasiado fáceis – os fanáticos espanhóis saídos de um quadro de El Greco, uma Mary Stuart (Samantha Morton) ambiciosa e beata –, as frases grandiosas que ficam bem no trailer, e resta a pergunta: era mesmo necessário? 3/5
Que ruindade, não acham? Felizmente, por razões de espaço, não pude dizer tudo o que me ia na alma. Mas, uh lá lá, eis-me perante a folha branca interminável da Internet. O que é que falta dizer?
Não sei se quero falar das incongruências históricas do filme. Porque eu, por acaso, até que leio sobre a época Tudor desde os meus tenros 12 aninhos – e livros de historiadores e ensaios sobre desde os 14. As chamadas liberdades ficcionais são perfeitamente admissíveis, porque é de um filme que se trata, ora bolas, uma possível obra de arte. Ninguém manda e-mails ao Dali a dizer que os relógios são coisas bastante sólidas e não têm por hábito derreter (deve ser a má qualidade dos produtos espanhóis, digo eu…) Deixem-me só dizer que a primeira falha vem logo no título : a chamada Idade do Ouro isabelina começa depois da derrota da Armada Invencível, não antes. E chega de erudição não cinematográfica gratuita.
A banda sonora. O que é aquilo, deuses? (vejo na cábula imdbiana que o responsável pela coisa é um tal de Craig Armstrong). Um bocado desfasada, a armar ao épico moderno. Acalmem-se os meus quatro amis que vão ler isto: eu adoro épicos a armar ao pingarelho modernaço – veja-se a minha crítica de Marie Antoinette, que continuo a defender mesmo quando as bombas me caírem em cima. Mas esta música… se calhar o problema não é bem da música (e aí vai a private joke para aqueles que contactam comigo no mundo empírico: Temos de dar um desconto porque é de música… ) mas sim da junção da música à imagem. A sério, não consigo explicar melhor: os capa e espada à lá Merry England dos anos 40, só que com dollies, filtros e efeitos digitais.
Depois, eu continuo na minha: o Clive Owen tem os dentes demasiado brancos para fazer um pirata credível. Relembro os dentes de Geoffrey Rush não no Elizabeth original (porque o de ’98 era o original, este é a fotocópia com falta de tonner[1])[2] mas em A Paixão de Shakespeare. Aquilo sim, era uma dentadura isabelina. E já que falamos desse filme tão levezinho e no entanto recheado de pormenores deliciosos (basta dizer que um dos argumentistas foi Tom Stoppard, e se não sabem quem é este, google it!), acrescento que aí sim, uma rainha velha. Se o ataque espanhol foi em 1586, e o filme com Lady Judy Dench se passa em 1593, não acham que Blancehtt está demasiado bem conservada para uma mulher de 40 e tais anos, numa era em que – como lembrava a minha prof de História – não havia pasta de dentes ou aspirinas?
Pena tenho de não se terem decidido em explorar de forma decente os namoricos proibidos da Rainha, ou então fazerem um retrato decente do clima de conspiração. Aquela ideia da filha de Filipe II com a boneca de Elizabeth está genial – mas resultaria muito melhor como punch line para o espectador ao mesmo tempo que para o pai: perde a força porque é uma realidade que nos é apresentada poucos minutos depois do filme começar. A batalha naval não perderia nada em ser uns minutos mais longa – quiçá construir qualquer tensão/resolução – já que é (se calhar devia mandar o livro de guinismo ao sr. Kapur pelo correio – o Clímax. Ou, noutras palavras, porque estou numa de me soltar, o grande O do filme.
Não cai nenhum santinho se forem ver o filme – a não ser que vos impinjam uns óculos 3D de 1.50, ou tenham de pagar o bilhete normal sem nenhum tipo de desconto – aí têm o direito de se sentirem roubados. Mas se tiverem uma qualquer promoção TMN para aproveitar, ou desconto de Capitão Jovem, ou coisa assim, e principalmente se não tiverem visto o primeiro, não tendo assim qualquer ideia do bom que o sr. Kapur pode ser com um orçamento tão mais reduzido, até que é bom entretenimento. Mas também o é a masturbação e sai mais barata.[3]
[1] mais uma vez, uma dissimulada private joke, mas desta vez apenas duas pessoas vão perceber – ou seja, 50% dos leitores deste blog. É claro que este filme, apesar de eu o apelidar de fotocópia com falta de tonner, não tem um décimo do encanto do referendo a que a expressão se referia originalmente.
[2] Já repararam que desde que eu me apercebi que podia meter notas de rodapé nos posts não quero outra coisa?
[3] Pronto, estou claramente numa fase punk. Fuck the system.
1 comentário:
Espectacular! pensava que ias só colocar o que tinhas escrito no jornal "AcAbra", mas afinal enganei-me.
Acho que fizeste bem em escrever mais um pouco, embora ao inicio não apetecesse muito ler. Mas lá se fez um esforço e até que está divertido!
adoro as notas de rodapé e as 'private jokes'! a cena dos óculos 3D também está espectacular!
e por fim a frase de conclusão, em que utilizas a palavra masturbação.LOL
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