Ao ver pela primeira vez (Alas! Alas! )um filme tão abalroado pela crítica, que o apelidou de incompreensível, gratuito e até – crueldade das crueldades – enferrujado, começo a pensar que tenho um problema qualquer com filmes destes. Será que sou só eu que acho o filme excelente?
Penso na fraca recepção de Apocalipse Now quando estreou, e como envelheceu graciosamente na estima dos críticos. E agrada-me pensar que Uma Segunda Juventude (estas traduções perdem a subtileza do original, mas podia ser pior…) também é isso, um filme maior fora do seu tempo, demasiado à frente para ser compreendido, demasiado complexo, demasiado simbolista e efabulatório. Mas pronto, pode não ser. Como enorme fã de devaneios cinematográficos a la Lynch e Greenaway, a minha opinião pode ser posta em causa.
Dominic Matei, interpretado por um subvalorizado Tim Roth[1], é o protagonista improvável de uma narrativa não linear – porque o tempo não existe -, um professor de Linguística em busca do conhecimento total e que, por um acaso, consegue tudo o que deseja – o conhecimento, o amor, a juventude – para depois se aperceber que terá de abdicar de tudo e enfrentar a morte, como um menino bem comportado.
O tiquetaque do relógio, a evocação constante da vanitas renascentista iniciam o filme, que por momentos parece ser um mísero remake mais realista (mas ainda com o seu quê de fantástico) de The Fountain de Aronovsky. O duplo, as rosas, Veronique que é Laura (como a de Dante) e Rupini relevam a profundidade do filme num brilhante retratamento da história de Dorian Gray.[2] E mesmo o final, que à superfície parece demasiado simplista, demasiado fácil, revela um twist que acrescenta ainda mais uma camada de complexidade a um objecto demasiado rico e que demorará anos, décadas, a ser digerido mesmo na sua parcialidade. [3]
As grandes questões da Humanidade – o mistério da natureza, a metempsicose, a juventude eterna, o conhecimento ilimitado (Gray meets Fausto) – com todos os dilemas morais que tais items levantam são também postos em confronto com o impulso irresistível do ser humano em direcção à sua própria destruição: “Só importa o conhecimento e a perfeição do ser humano”.
Em termos estéticos (ou técnicos, ou formais, ou aquelas coisas que não interessam a ninguém salvo aos idiotas como a autora que querem fazer filmes), há um reaproveitamento do vocabulário de Apocalipse Now (ambos os filmes falam da guerra, mas o que é o tema num, é a nota de rodapé noutro), com belíssimos planos nocturnos, ângulos pouco habituais e a exploração iconológica do mundo dos sonhos e pesadelos. Muito bom a ideia de usar os planos ao contrário para indicar a passagem do onirismo ao (?) realismo. A notar também o estilo vintage usado com os planos clássicos e estáticos (numa altura em que as steadies proliferam que nem pulgas no meu cão, nota-se, permita-se o termo, bué.) e a evocação desse mesmo classicismo nos créditos iniciais.
Há também a sugestão de que a morte é o início e não o fim – vejam com atenção a cena do passaporte.
E quando alguém alcançou a juventude, o conhecimento absoluto do passado e do futuro, o amor há muito perdido, que resta fazer? Pelo menos o café do costume está sempre aberto para irmos ter com os nossos amigos…
Não há muitas coisas límpidas neste filme – algumas sabem a línguas remotas e misteriosas, que mesmo sem sabermos o que significam ressoam na nossa mente primitiva, como é o caso das três rosas.[4] E agora uma frase fatela: mais que um filme, um compêndio da Humanidade. Ahhhhhhh…. Quem gostou de Inland Empire quase de certeza que vai adorar este.
Era uma vez um rei que sonhava que era uma borboleta que sonhava que era um rei que sonhava que era uma borboleta que sonhava que era um rei…
[1] Se gostam de ver o Tim Roth a fazer papéis esquisitos, recomendo fortemente um dos meus filmes preferidos, onde ele contracena com nada menos que Gary Oldman: Rosencrantz and Guildenstern are Dead, de Tom Stoppard.
[2] Um chupa para quem conseguiu atingir a genialidade das palavras e duplos sentidos utilizados.
[3] Note-se que eu não estou a elogiar o filme por ser incompreensível. Acho-o bom pelos sentidos que lhe adivinho e que me são sugeridos por ele, mesmo no seu bem estruturado caos significativo.
[4] Comparado com isto, o final do Planeta dos Macacos do Burton é facílimo de se explicar.
1 comentário:
Uma desilusão, na minha opinião.
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