E directamente do senhor que nos fez chorar baba e ranho com miúdos que dançam ballet e seropositivos que se deixam cair de janelas abaixo, eis o filme relacionado com a Segunda Guerra Mundial nomeado deste ano. Com o Ralph Fiennes a fazer de alemão (falem-me de type casting….) A cores. Uau. Com um momento de passeata pelos campos de concentração ao jeito de documentação histórica.
Não interpretem mal o meu tom irónico/sarcástico/a armar ao engraçadinha (riscar o que não interessa). The Reader pode deixar os nossos mucos nojentos sossegados dentro de nós, mas isso não quer dizer que não seja espicaçante. Além de parecer um cardápio de ‘coisas complicadas demais para serem pensadas’, a saber relações entre mulheres de meia idade e rapazinhos de 15 anos, o direito e a moral, os crimes de guerra, a condenação simbólica, o sentido de justiça, etc etc etc , tem um elenco de peso – e isto não é uma piscadela de olho às belíssimas curvas da Kate Winslet – e uma história que, se não cometeram o erro de ler a sinopse no Sapo, consegue surpreender.
Uma reconstrução de época competente, com toda a história calmamente no background – a reconstrução de Berlim, por exemplo – e uma construção de cenários, nomeadamente interiores, brilhante (a pequena casinha da personagem de Hanna Schmidt, onde se passa o affair de Verão, com toda a sua pequenez íntima com um toque de perversidade – aquela banheira logo à entrada, meus deuses, genial…), que gosta de guiar o espectador na sua descoberta do twist mas sem fazer a papinha a ninguém; tudo é sugerido, mas nada explicitado. Quero dizer, ainda bem que não acharam necessário explicar que foi (SPOILER) por Hanna não saber ler que teve de recusar a promoção na Siemens e inscrever-se nas SS como guarda (END OF SPOILER). Mas o ainda melhor do filme é que, mesmo juntado esse 1+1=2, o comportamento dela continua injustificado. Podemos simpatizar com ela, é certo (afinal, é assim que a história está construída, para apesar de tudo simpatizarmos com ela, daí ser ela a principal vítima no final), mas há um travo amargo quando reparamos que ela tem mesmo culpa do que fez. Sim, há mais culpados, mas ela também o é.
É isso que é delicioso no filme. Hanna não é, de modo nenhum, redimida, a personagem partilhada pelo veterano Ralph Voldemort Fiennes e o novato David Cross, Michael Berg, muito menos (vamos lá, não foi propriamente querido dele deixar a tipa ir parar à prisão sabendo que ela não tinha feito aquilo que as outras diziam, e muito menos simpático não a visitar na prisão & ir buscá-la apenas para a pôr num lugar qualquer bem longe da vista), o que explica em parte um certo sentimento de indiferença final que nos atinge. Mas até aí, meus caros, turbilhão de emoções como qualquer filme nos deve provocar.
Grandes cenas? Para mim, sem dúvida, o primeiro banho de Michael, as cassetes enviadas religiosamente todas as semanas (a apontar na enorme e interminável lista de coisas a fazer um dia: ler a Odisseia), o passeio de bicicleta, o momento da revelação, o não perdão da sobrevivente, o velho Michael a levar a filha à campa de Hanna. Menos bom? Não há rapazes a dançar ballet nem seropositivos a cair de janelas. Nem vampiros. Nem justiça no mundo. Pois, mas isso já sabíamos…
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