segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Scoop (2006), Woody Allen




Pode-se dizer que estamos a assistir a uma moda de filmes sobre mágicos (O Ilusionista; O Terceiro Passo; e, um pouco no gozo, mas no fundo a sério, acrescento todos os Harry Potter) e com baralhos de cartas, mas um Woody Allen é um Woody Allen, e, como tal, eu, que não tenho perdão por ter perdido o Match Point, decidi, não!, nem pensar em perder este. E lá fui, toca toca, em direcção àquela cadeia de cinemas que eu tanto odeio mas à qual tenho de ceder para ver o que a indústria cinematográfica vai vomitando, enquanto a náusea está fresca. Isto de ler Sartre e biografias do Shakespeare ao mesmo tempo deixa-me um pouco mórbida, desculpem.



A história é bestial, como sempre. Simples, com desfecho não óbvio (ou será que estamos tão ocupados a rir que nem nos damos conta que caminhamos para o fim?), Hugh Jackman no papel de Peter Lyman, um jovem milionário bastante charmoso e possível serial killer do tarot, Scarlett Johannson a mostrar que afinal até é boa actriz, só que de vez em quando esquece-se (o Woody também lhe deve dar nas orelhas com força), Woody Allen a fazer de ilusionista (bastou aparecer e o público começou a rir – tenho de considerar a hipótese de existir um público culto em Coimbra, mas a ideia por si é assustadora), e tudo o que há num filme de Woody Allen: o neurótico (agora a dobrar, Scarlett e Woody dupla de força dos óculos de massa), as piadas sobre judeus, o momento estranho (a barcaça da Morte só podia vir da mente retorcida do meu cwarinetista realizador de eleição), os diálogos são TÃO BONS, com aquelas frases que nos lembraremos daqui a anos (gostei especialmente daquela ‘eu nasci na religião hebraica, mas cedo me converti ao narcisismo’) que, de facto, ao assistirmos a um humor inteligente que não recorre ao calão, à escatologia ou à crítica política para nos fazer rir, até nos esquecemos de fazer uma avaliação da coisa em si. Além de que é Woody Allen, e, não fosse o facto de tanto ele como eu sermos ateus, eu diria que era Deus. Por isso vou-me limitar a uma análise assim um bocado no ar, sem qualquer sequência lógica ou pretensão de ethos, como aliás é meu costume.



A notar que é o primeiro filme de Allen (que me lembre, também não nasci assim há tanto tempo…) que não usa o jazz mas sim a música clássica. Grieg, para ser exacta. In the Hall of the Mountain King, se não me engano. Para os leigos que não têm a felicidade de ter quatro anos de Conservatório e uma colecção de cds upa upa como eu, é a música do Grinch. Ahhhh. Bastante adequada, aliás. E mais umas coisas que eu, embrenhada no Jackman, nem me lembrei de pensar o que era. E não deixa de ser Allen por isso. Fantástico. O homem é um génio.



Grandes momentos: a barcaça da Morte (sempre que aparece é o êxtase), o aparecimento do espírito do jornalista frente aos olhos de Scarlett e Woody, a festa em casa dos Lyman com todas as inconveniências do ‘pai’ de ‘Jade’, Woody Allen a tentar conduzir pela esquerda (ele dá todo um charme àquela coisa estranha que é o Smart), o momento em que a verdade é toda revelada.



A fotografia aposta nos tons quentes, uma Londres tão solarenga que começamos a duvidar que o filme tenha mesmo sido filmado lá. Ah, the british accent…



A ver, absolutamente, porque eu digo que sim e eu é que sei. Do alto do meu poder como membro mais recente da Igreja do Narcisismo. São Narciso vos abençoe ya men.