segunda-feira, março 31, 2008

There Will Be Blood (2007), P.T. Anderson

Deixem-me exprimir o meu sentimento mais profundo por este filme com três pequenas letras:


W-T-F?

E sim, eu sei que toda a gente adorou, que o PT Anderson é o novo Welles com um petrolífero Citizen Kane, e Daniel Day-lewis é o Actor com Maiúscula.

Destas afirmações lamento só concordar com a última.

Este vai ser daqueles filmes que tenho de ver daqui a uns anos, outra vez, para ver se percebo se o problema é meu, ou da maioria das pessoas que puseram o filme num altar.

Primeiro, deixem-me confessar uma coisa – há coisas do filme que não vi, porque o aborrecimento que tomara conta de mim fez-me adormecer na segunda parte durante largos minutos, só acordando quando o Day-Lewis matava alguém ou bufava (ou seja, frequentemente).

Dito isto, as linhas seguintes são isentas de qualquer, bem, isenção crítica, dando apenas largas à minha subjectividade, e tão fortemente venenosas quanto conseguir, para contrapor às críticas adocicadas de quase toda a gente. E sim, incomoda-me partilhar alguns aspectos da minha opinião com alguns críticos portugueses, mas pronto, vamos lá descascar a coisa.


Primeira dentada de veneno: o PT Anderson passou a rodagem toda na casa de banho, com alguma crise de estômago? Parece. Porque tendo na mente Punch-Drunk Love, Magnólia e Boogie Nights (que vi há pouco tempo, para ver se tinha alguma alergia especifica ao senhor, mas não), onde é que ele está em There Will Be Blood (que carinhosamente trato por There Will Be Blharch), ahein? Onde está, onde está?

Segunda medusa flamejante? Julgo que a ausência de PT Anderson se deve ao bufar constante de Daniel Day-Lewis. Eu também tinha medo de estar ao pé de alguém tão assustador, com medo de apanhar raiva. O que acontece, na minha opinião, é que o actor enche de tal modo o ecrã que não deixa espaço para absolutamente mais nada. Nicles. Também acho que é por isso que tanta gente gostou do filme – pela excelente interpretação de Day-Lewis, apenas levemente riscada por um Paul Dano bastante prometedor – mas pensem comigo: além destes dois, o que há de bom no filme? Pois. O Eterno Nada.

História? Ai e tal, a ambição desenfreada, o petróleo, etc etc. Booooriiing.

Banda sonora? Ui, pizzicattos saltitantes, medo.

Fotografia, figurinos, plasticidade da imagem? Aspecto tão oleoso quanto o próprio petróleo. O que não é necessariamente mau.

Grandes frases: I drink your milkshake. ????????????????????????????? And the winner for the stupidest line goes to… Além que – ok, talvez tenha perdido essa parte enquanto sonhava com filmes melhores – o que é que isso tem a ver com seja o que for?

Apesar de tudo, lembro-me de um grande momento: a cena de conversão de Daniel Plainview, onde o bufar do protagonista até que cai bem. Parece mais um exorcismo, mas pronto. Na América dizem que a religião é assim, quem sou eu para desmentir?

Repito que isto é a minha opinião extremamente parcial, e que possivelmente há qualquer coisa no meu inconsciente ou vidas passadas que me faz odiar o filme,

Lembro-me agora: Plainview é um bom adjectivo para o filme. Mua-ah-ah.
PP. Mas não fui a única a topar com o vazio por detrás de Day-Lewis:
Mas pensem assim - um filme que desperta tanta raiva (dos detractores e dos fiéis), tem alguma coisa de facto. E adormecer uma tipa insone que normalmente só adormece depois das 4 da manhã, depois de 5 cafés ao longo do dia... é dose.


sexta-feira, março 28, 2008

Juno (2007), Jason Reitman


O indie (não confundir com o ancião Indy) nomeado do ano. Porque fica bem fingir que o cinema independente também pode ganhar homenzinhos dourados. Pois sim claro.

Há duas coisas grandiosas neste filme – a primeira, o guião de Diablo Cody; a segunda, a almighty Ellen Page, a actriz mais refrescante (e menos artificial) dos últimos tempos.

Juno é uma adolescente que, num momento de tédio, resolve experimentar o maravilhoso mundo do sexo com o melhor amigo, e, ups, fica grávida. Inicialmente decidida a enviar o pequeno contratempo para o Limbo (na altura em que o filme saiu ainda existia, acho eu), Juno tem uma revelação súbita na clínica de abortos (bastante creepy, por acaso, com uma adolescente horripilante no guichet de atendimento) e resolve ter o bebé. É aqui que os movimentos pró-vida fazem hip, hip, hurra – porque Juno é tão hip e não aborta – mas convinha lembrar a esses senhores que se a miúda tem feito o que é provável que tivesse feito, fosse ela uma miúda real (não conheço ninguém de 16 anos com tanta atitude e auto-confiança), não havia filme. Duh.

Ellen Page é, provavelmente, a única actriz que faz sentido para uma personagem como Juno. Quer dizer, conseguem imaginar mais alguém naquele papel? Eu não. E, graças aos deuses, a profundidade não se esgota na personagem principal. Michael Cera, que interpreta o melhor amigo de Juno/pai biológico da criança é tão totó que só dá vontade de lhe atirar o alguidar de pipocas (não, não me enganei, alguidar mesmo) à cara. Acorda para a vida miúdo! É assim tão difícil de perceber que ela também gosta de ti, seu idiota! Argh, projectos de homem ingénuos… (sim, porque o grande momento romântico deste senhor é quando o vemos cheirar as cuecas de Juno, sozinho na cama). Além do miúdo corredor (aqueles rapazes que se passeiam pelo filme como leitmotiv são bem engraçados), temos a madrasta (Allison Janney), o pai de Juno (JK Simmons), e o casal perfeito (ou nem tanto) Jason Bateman e Jennifer Garner, que tem o relógio biológico a gritar horas.

E sim, Jason Reitman deixa o filme fluir com os one-liners incisivos de Cody e com o carisma de Page, e por isso tem um bom filme, sem dramatismos, tearjackers, etc etc. Não é um teen flick. Graças aos deuses.

A banda sonora, com temas dos Kinks, Mott the Hoople, Belle & Sebastian e até Velvet Underground, é uma excelente antologia para ouvir, seja antes de ver o filme, depois ou em vez de (ná, vão ver o filme, seus idiotas). As faixas de Kimya Dawson servem que nem uma luva a este filme, com a sua voz infantil e tibutear adolescente (se bem que Juno não parece ter papas na língua).

Melhores momentos? Começam logo na deliciosa animação dos créditos iniciais, passando para o momento em que Juno anuncia aos pais o seu desvaire, as cenas em casa dos pais adoptivos, e – por momentos receei que a coisa descaísse de nível nos momentos com Bateman e Page, sei lá, vi ali um cheirinho de romance inter gerações mas felizmente foi só um cheirinho, mesmo – o grand finale entre Juno e o seu amigo. Tcharam.

Um feel good movie sem vergonha de o ser, com o bónus de bons actores, excelente argumento e, bem, ser indie, e o indie, como toda a gente sabe, is the new black.

segunda-feira, março 24, 2008

Lust, Caution (2007), Ang Lee


Depois de Brokeback Mountain, que entusiasmou toda a gente menos eu (tenho algum problema, quase de certeza), Lee vem filmar pela primeira vez o banal amor heterossexual.


E antes mesmo de falar do objecto em si, deixem-me divagar um bocado sobre a maneira como Lee entende o sexo, mais conhecido pelo pseudónimo de amor. Para Lee – convém avisar que este é o segundo filme dele que vejo, por isso posso estar a meter-me em águas profundas sem salva-vidas, e entender uma tendência recente como marca de autor, mas pronto, vamos lá saltar pela borda – o sexo/amor é sempre uma relação de dominação, de dono e dominado, algo aparentemente calmo à superfície mas que borbulha qual lava incandescente nos momentos mais inesperados. Já no filme anterior, não havia dúvidas de quem era o ‘homem’ da tenda (curiosamente o mais feminino na sua sensibilidade, se compreendem o que quero dizer). Agora, após estas cenas nada românticas de sexo – pornografia hardcore, sem a parte pornográfica propriamente dita – a temática da dominação parece-me evidente: primeiro, o senhor Yee (Tony Leung Chiu Wai), depois a espia Wong Chia Chi (a estreante Wei Tang) que o conquista pelo amor (ou seja lá o que for) e passa de dominada a dominadora. Bem, senhor Lee, a sua visão do amor consegue ser ainda mais negra que a minha, credo…


Não posso deixar de notar a qualidade composicional de Lee, principalmente nas muito faladas cenas de majhong, onde o vazio existencial das personagens grita silenciosamente. Os diálogos, aliás, o uso da conversação como trilha sonora (quero dizer, barulho de fundo) é igualmente notável. O tratamento de cor é delicioso – como aliás em quase todos os filmes de realizadores orientais.

A história começa in media res (quase no fim, para ser específica), e na primeira meia hora torna-se complicado perceber o que raio se está a passar – se forem como eu, com uma péssima memória para caras, ainda vai ser pior. Mas enfim voltamos ao inicio, e a partir daí tudo se segue como mandam as regras aborrecidas da continuidade temporal. É de realçar o excelente trabalho de representação da actriz principal, que consegue ser credível quer como rapariga inocente do grupo de teatro quer como Mata Hari implacável, que comete o único erro de se apaixonar (ohhhhhhhhh) pela sua suposta vítima, um implacável general chinês. Sim, porque até o pequeno Hitler de olhos em bico merece um pouco de amori. A nossa empatia pela personagem masculina até é fácil, já que, tirando o sexo à bruta com a protagonista – dentadinhas e chicotadas de paixão, se me faço entender – não o vemos a maltratar ninguém. Isto até ao fim, que me impeço de estragar, ainda mais porque considero que é o grande momento do filme (e não estou a ser irónica). E sim, a última imagem é mais uma vez um signo de ausência, este um pouco mais doloroso ainda porque… ah, não posso contar. Por isso, até que nos identificamos com a pobre rapariga, já que todas gostamos de homens poderosos de uniforme (ou não).

Grandes momentos: os jogos de majhong (que lá é jogado tipo póquer, não em frente a um computador a pingar baba), o momento quase final, em que a protagonista fica presa no meio do transito e subitamente não sabemos que raio vai acontecer, ou aconteceu; o treino sexual com o amigalhaço anti-regime (não aquele que gosta dela, outro, só para verem a demência dos revolucionários), e uma imagem plástica que dá vontade de trincar. Tem o seu quê de filme noir oriental (ou então é por eu andar com os noirs pelos cabelos); a femme fatale, a traição, as pistolas, os cigarros, os pastéis de nata (sim, eu vi pastéis de nata, não estava a sonhar!), etc etc etc.

Maus momentos? Bem, é um bom filme, mas não arrebata. E eu preciso de ser arrebatada, arrebanhada, sentir a lagrimazinha ao canto do olho. Sim, é um filme frio. Mas não deixa de ser interessante de se ver.

quarta-feira, março 19, 2008

The Assassination of Jesse James By The Coward Robert Ford (2007), Andrew Dominik




Um filme tão longo como o seu título. Ouch. Três horas de um pós-western compassado, um ensaio sobre o que Harold Bloom chamou, num famoso livro, a “ansiedade da influência”.

Comecemos pela superfície. É de longe um dos mais belos filmes do ano, com uma fotografia que tenta imitar as fotografias da época, em sépia tantas vezes desfocado nos cantos, como que se a referência à fotografia, uma esperança de (falsa) imortalidade, mais contribuísse para a construção simbólica da trama reflexiva do filme. Porque a nomeação “ensaio” nas linhas anteriores não foi acidental. Um movie é entretenimento. Aqui, estamos perante uma opus.

Mas continuando no reino das aparências, a referência imediata ao peculiar estilo de realização do estreante Andrew Dominik é, sem sombra de dúvidas, o mercurial Terence Malick, não nos seus aspectos dogmáticos (a filmagem em luz natural, o improviso), mas no que é, a meu ver, mais importante – a poesis cinematográfica, mais do que a construção épica, o (re)fazer de uma mitologia. Porque os planos são longos, arrastados, fazendo visceral a percepção do tempo, mas nunca logrando tentar os limites de resistência do espectador (uma qualidade rara, diga-se, em filmes do género) – a beleza sublima-se, nunca tocando a exaustão visual.

A música tem uma notoriedade de apontamento, pontuando levemente a imagem, nunca a violando – um trabalho notável e sensível por Nick Cave, que aparece trovando a história de que o título nos fala, num bar onde o cobarde Robert Ford medita amargamente sobre os reveses da fama. Ford esse interpretado por um underacting Casey Affleck, que se revela o admirador assassino necessário para um flamejante suicidário Brad Pitt, no papel de Jesse O Homem, mais que Jesse a Lenda. A escolha dos actores, aventuro-me a sugerir, passa por muito mais que as competências provadas de cada um – é quase que um prolongamento do ego. Casey viveu muitos anos à sombra do irmão Ben; Pitt convive com a Fama desde os dias em que o seu cabelo lhe ultrapassava os ombros.

O engano fulcral do filme, a sua armadilha e, creio eu, o porquê da extensão e definitividade narrativa do título cinge-se simplesmente a algo que passou despercebido a muitos: a personagem principal pode ser Jesse James, mas é a personagem de Ford que guia a narrativa, convertendo-se no principal motor dos acontecimentos. Assim, o centro temático do filme não é o assassinato e morte de James – algo que todos sabemos que vai acontecer e resolvido sem esplendor, dando a impressão mais de um suicídio voluntário do que um homicídio – mas as motivações e dúvidas de Ford, que julga conseguir, à semelhança de algumas tribos que comem o cérebro dos inimigos, adquirir a força do seu ídolo destruindo-o. Como que no antigo teatro grego, o que interessa não é o acontecimento em si – Édipo que mata o pai e dorme com a mãe – mas que reflexão se pode daí retirar.

Por isso continua o filme depois do desaparecimento de J. James – mesmo morto, assombra Ford. A repetição constante do crime no teatro, para agradar às pessoas – metáfora do palco mediático dos nossos dias? – imprime uma dúvida perniciosa em Ford, que se apercebe que, longe de eliminar o ídolo, elevou-o a deus. E quem mata os deuses não se torna igual a eles, muito pelo contrário. Ninguém tira fotos ao corpo morto de Ford, ninguém se importa que ele tenha morrido de todo – ninguém sabe quem ele é, ninguém colecciona as suas histórias e as guarda religiosamente debaixo da cama, ninguém.

Ford julgava que tinha de matar Jesse, o seu ídolo, para poder ser alguém, para sair da sombra, para o ultrapassar em audácia. O cobarde Robert Ford não falhou o tiro, mas falhou o acto.



(para um filme sério, uma (pseudo)-crítica séria. para desenjoar um bocadinho, também).

quarta-feira, março 12, 2008

Asterix aux jeux Olimpiques (2008), Frédéric Forestier e Thomas Langmann


Eu sei que já escrevi, uma vez pelo menos, que achava idiota (idiota talvez seja uma palavra fraca demais para o meu sentimento) que se criticassem filmes com base em coisas anteriores do realizador – julgo que foi com o último Allen que me saiu qualquer coisa do género. Ora bolas, lá vou eu contradizer-me. Ou não exactamente.

A verdade é que no meu top pessoal de comédias, vem Asterix & Obélix Missão Cleópatra. Pronto, crucifiquem-me. Um guilty pleasure, e depois? É que o filme é tão genial do início ao fim…e é daqueles em que passamos meses e meses a citar piadinhas do filme… Onde está o mémé? Onde está o mémé? (além daquele momento clichetóide da música romântica quando Asteríx(co) vê Beijofibis, com o vento nos cabelos e coiso e tal. Gosto tanto da cena que basta o vento bater-me nos cabelos para ficar loucamente apaixonada – por mim própria, sempre).

Mas não é desse filme que estamos a falar aqui. É do seu sucessor, Asterix nos Jogos Olímpicos. Ora, a primeira vez que vi o teaser, achei piada. À segunda e terceira vez, começou a irritar. Mas mesmo assim desloquei-me ao centro comercial do inferno para ver o filme (noblesse e Cabra oblige).

Hum…

O aborrecido é que um filme com tantas potencialidades só tenha razado o razoável quase bom nos dez minutos finais (e mesmo assim perdendo com a repetição excessiva da mesma piadinha) e na corrida de quadrigas – Germany always the best. Mas… argh. Uma comédia presume… mas isto sou eu a dar palpites… que se provoquem risos na audiência? Sorrisos pelo menos? Ou o filme é mesmo demasiado francês (não acredito – a comédia francesa pode não ser tão excitante e aventurosamente deslavada como a britânica, mas é interessante q.b. – vide Grrrrrrr!), ou ficou demasiado fiel ao livro (espero bem que não, quer dizer, um livro tão insosso?), ou então o Missão Cleópatra foi um feliz acidente e este último filme resolveu voltar ao nível fraquito do primeiro – talvez conseguindo ainda o superar em desinteresse?

Depois… cadê os grandes momentos musicais? Cadê o ir além das personagens? Ah ah, um romano a ser sovado, ah ah, Obélix e Asterix a zangarem-se, ah ah.

?

E aquele Brutus (interpretado por Benoit Poelvoorde), ou é muito bom actor e consegue irritar-nos como personagem, ou é mau actor e irrita-nos com a sua irritante representação. César sim, César é muito, muito bom- menos não se esperava de Alain Delon. O pequeno tique dos lábios define na perfeição toda uma personalidade complexa. Ah, actores do Método, como gostamos de vocês…

Acho que tudo se resume a eu dizer que o momento alto do filme é quando aparece no ecrã uma das personagens do Missão Cleópatra. Quer dizer, quando os próprios realizadores reconhecem a sua impotência e resolvem servir-se da genialidade do anterior(volta, Alain Chabat, temos saudades) para arrancar risos ao público, está tudo dito, não?

segunda-feira, março 03, 2008

Sweeney Todd (2007), Tim Burton

Genial.

(end of critic)









Pretende-se alguma seriedade na página bloguística que é a nossa, mas como querem uma opinião semi-isenta sobre um filme com o meu realizador (vivo) e actor (vivíssimo) preferidos? Que querem que eu diga mais? Acrescente-se: o meu realizador preferido num slasher musical – que mais podia eu querer? Melhor melhor só a ideia de ver a Sofia Coppola a fazer um filme sobre a Dama Negra dos Sonetos.

Bem, comecemos por falar do Tim Burton. O sr. Burton é um génio. Ponto final. Ele é dos poucos realizadores actuais que tem um universo próprio, muito marcado, e assinaturas constantes que não se tornam repetitivas ou enjoativas (pelo menos para os fanáticos como eu). Continuando, ele é um génio. Ponto final. Se havia pessoa capaz de transformar uma história sobre um barbeiro sanguinário num filme grandioso era ele. Musical? No problem.

Importa aqui aniquilar todos os que dizem que este é um Burton menor. É incrível como dizem isto sempre que o senhor Burton lança um filme. Na minha parca inteligência, isso chama-se evolução. E o senhor Burton tem evoluído muito desde o Eduardo Mãos de Tesoura. Experimentado, jogado com o seu universo pessoal, expandindo-o, fazendo coisas que não estamos à espera. Por exemplo, musicais.

O senhor Burton, segundo consta, não gosta lá muito de musicais. Mas o ter visto este meteu-lhe bichinhos na cabeça. E nós até percebemos porquê. Não consigo imaginar outro realizador a fazer este filme. Nem consigo imaginar outro protagonista além de Depp. E demos graças que o menino sabe mesmo, mesmo cantar. Um milímetro abaixo do seu estilo de representação (de construção externa, li não sei onde, de fora para dentro), mas mesmo assim, ficámos com vontade de ouvir mais. Neste irmão mau de Eduardo manápulas cortantes, as facas/navalhas são externas, o esgar é tudo menos inocente, o olhar é opaco, a pele cinzenta. Yeh.

Para mim, o tema do filme é a vingança. Dizer que é sobre a obsessão não me parece correcto. Porque a obsessão é com a vingança sobre o juiz (e alastra sobre toda a população de Londres), em Todd, mas Pirelli também se quer vingar de Todd, e Mrs. Lovett vinga-se de Laura, e o miúdo vinga-se de Todd. Etc etc etc.

Não é um musical vulgar. Primeiro, a história. Depois, a fotografia – associamos sempre o musical a uma maior paleta de cores, e aqui isso só nos é dado na sequência de sonho de Mrs. Lovett, By the Sea (algo que sai deliciosamente de tudo o que tínhamos visto até aí) – os devaneios de Todd são sempre cinzentões com splashes de vermelho ocasionais. E o trabalho de câmara, meus caros, genial. (sim, estou a repetir propositadamente o adjectivo). No fundo, é filmado como um filme ‘normal’, em que as personagens por acaso não param de cantar. O plano inicial burtonesco? Temos direito a dois: aos créditos iniciais, em animação, e a um accellerando nas ruas de Londres, do cais até Fleet Street, quando Todd volta à sua antiga casa.

Sobre a fotografia – a cargo do senhor – fantástico. É como um filme a preto e branco (meio esverdeado, às vezes, qual foto antiga colorida à mão – com sangue vermelhaço que parece saído de um slasher do nessa altura novato Peter Jackson, que embora minimizando o efeito gore da coisa (porque não é isso que interessa), resulta très jolie, bonito, estilizado, simbólico (tomem esta, Cahiers).

A ausência aqui é Danny Elfman. Mas a partir do momento em que ouvimos a belíssima banda sonora de Stephen Sodheim perdoamos tudo. Porque não é Elfman, é certo, mas resulta muito bem. Estão lá órgãos, é o que interessa. Influências da música londrina da época, diz o senhor Stephen. Sim, parece-nos muito bem. No meu caso, a música só começou a entranhar-se depois do filme – no fim de saber ao que é que corresponde o quê. Mas eu sou uma insensível, por isso não conto. Só com desenhos e imagens é que consigo perceber o que é suposto sentir aonde. ;)

Helena Bohnam Carter. Sim, ela dormiu com o realizador para conseguir o papel. Mas nós importamo-nos? Ná. Além de já ter dado provas anteriores dos seus dotes musicais (em A Noiva Cadáver, por exemplo), quem mais podia fazer da andrajosa Mrs. Lovett? E quem mais deixaria Burton andar aos beijos (um, pequeníssimo) com o melhor amigo? O tamanho dos seus seios oscila de plano para plano? Sim, estão enormes (não acredito que estou a escrever sobre isto), mas quando sabemos que no contraplano está Depp, quem é que presta atenção a eles?

Da primeira vez que vi, tenho de confessar que achei o final abrupto. Porque no fundo eu (e o resto do público, com um ‘oh’ colectivo) era capaz de ver mais umas 5, 6 horas daquilo. Da segunda vez, o final pareceu-me mais natural, o único possível (continuar seria possivelmente estragar), e como já sabia tudo o que ia acontecer, pude deliciar-se com a mestria técnica de Burton, que pode não ser gritante, mas não deixa de ser genial, claro, porque o senhor é um génio (estarei a repetir-me?).

Grandes momentos: o dueto ‘My Friends’, onde Todd se declara às suas navalhas enquanto Mrs. Lovett se declara a ele, o concurso com Pirelli (go go Sacha Baron Cohen), a epifania de Todd, o trio ‘Johanna’ com a aparentemente insignificante vagabunda a cantar city on fire!, e, não podemos esquecer o momento mais out da coisa, o By The Sea, com um acabrunhado Todd a aparentemente ceder aos avanços amorosos de Mrs. Lovett.

Momentos maus? Onde? Não me apercebi…