quarta-feira, dezembro 30, 2009

Sherlock Holmes (2009), Guy Ritchie


Confesso que tenho grandes lacunas na opus do senhor Ritchie. A única coisa que conheço são os maravilhosos anúncios para a BMW com o não menos maravilhoso Clive Owen... e sim, sei que tenho de ver Snatch e RocknRolla antes que um raio enviado do céu cinematográfico me fulmine, mas bolas, vocês tem noção da quantidade de filmes que andam a estrear por estes lados?

Mas este trailer despertou algo em mim, e voilá, eis que o elejo como filme para ver no aniversário. Uma personagem victoriana, filmagens em Londres, Robert Downey Jr. E Jude Law, que mais podia eu querer?

E não estou desiludida, se bem que a história é ranhosamente previsivel (como costumam ser todas as histórias desde que aprendi as bases de guionismo - vejo os truquezinhos a desenharem-se perante mim de uma maneira que por vezes chega a ser irritante, mas não há botão off infelizmente...). Sherlock Holmes é um filme divertido, com bons momentos que não apareceram no trailer, um bocadinho de macabro, muitas sequências de acção, óptimos actores que parecem estar a divertir-se, um vilão estranhamente semelhante a Steve Carell num dia de mau humor, roupas maravilhosas, uma ponte em construção, e um genial mergulho de uma das janelas do Parlamento em que não consegui deixar de pensar, dentro da minha cabecinha de pré-produção: mas como RAIO é que eles conseguiram obter autorização para fazer aquilo??

Claro que, para não variar muito, o cheirinho a sequela no final estraga um bocadinho a viagem, especialmente porque, bem, a quantidade de pontas soltas que são prometidas resolução nessa possibilidade de novo capítulo... bem, o excesso de confiança em quão bom é um filme tende a enervar-me.

Pontos positivos: Downey Jr. e Jude Law, uma dupla com muita química (sim, com um cheirinho de homoerótica, mesmo), o brilhante trabalho de CGI com a velha Londres, essa maluca, todas as sequencias de acção, a fotografia, o começar in medias res, a personagem de Rachel McAdams, o momento em que vejo o cemitério de West Brompton no ecrã (eu filmei ali!!! quase fui presa, mas o que é que isso interessa?), a reinvenção de Holmes pelos guionistas e Downey Jr.

Menos bom: além do cheirinho a sequela no final, a personagem de Blackwood não me convenceu inteiramente, e, claro, a previsibilidade da história, principalmente quando mostram, quase do nada, a Ponte de Londres em construção, sem o meio, qual maravilhoso sítio para uma cena final de tensão e acção... elementar, meus caros inexistentes leitores...


segunda-feira, dezembro 21, 2009

Where the Wild Things Are (2009), Spike Jonze

Poucos trailers tem tanto poder como o para esta pequena jóia de Natal: quantos de nós não se babaram abundantemente a olhar para um estranho mundo cheio de monstros e de um miúdo vestido de animalzinho peludo? Todos ADORAMOS coisas peludas. E quase todos adoramos Spike Jonze e o estranho mundo que ele gosta de criar para nós. A sua chamada marca de autor, algo que todos os infelizes alunos de escola de cinema se sentem compelidos a tentar ter mas que acabam a fazer o básico o mais depressa possível porque, bem, porque os nervos são uma coisa lixada...

Ora, neste filme eu comecei o caminho inverso: primeiro comecei a ler sobre a técnica envolvida (um belíssimo artigo na American Cinematographer online, que recomendo a maluquinhos da técnica como eu), e deixei-me totalmente na ignorância perante a Toda Poderosa História. Pensei, o Spike Jonze nunca me desiludiu, eu confio nele.

E ele não desiludiu, mas também não posso dizer que me tenha deixado com o queixo no chão e a mente a quinhentos mil à hora. Não me aborreci, mas apetece-me ver o filme outra vez? Nem por isso. A não ser pelo lado visual espampanante. Maldito 35 mm e todas as suas possibilidades expressivas. Muito boa escolha terem feito os monstros com fatos e não com CGI. Dá todo um ar retro à coisa que aquece o coração por dentro.

A história? Sim, eu sei que é a adaptação de uma história infantil, daquelas bem pequeninas, com letras gordas, e que, como todos os grandes clássicos da literatura infantil britanico-americana, eu não li. (algo que estou a tentar resolver o mais depressa possível - ou talvez guardar para quando me reproduzir...) Por isso, claro que o guião de um filme de duas horas teve de ir buscar materiais a outras coisas. Gosto da ideia de todos termos uma fera dentro de nós, gosto que algumas coisas da história não são óbvias (o que aconteceu ao pai do miúdo, afinal?), e gosto que toda a história pareça estar a ser contada por uma criança com uma imaginação delirante. Tudo isso é bom. Mas não senti uma catarse, não senti um pathos, nada. Sou uma insensível educada nas regras do storytelling e que conhece todos os esquemas e estratagemas para fazer uma audiência chorar? Sou uma vendida da técnica? Não sei. Os vendidos que foram ao cinema comigo também se ficaram pelo gostar sem adorações.

O grande factor X (ah ah) do filme será, sem dúvida alguma, Max Records, o pequeno actor que dá corpo e raiva à personagem de Max. O menino Records também participou em The Brothers Bloom, o que me dá uma imensa vontade de ver esse filme, e desde o primeiro momento em que aparece no ecrã neste filme, nós ficamos vidrados. Sim, ele é o Rei. Digno do trono.

O filme ideal para ir ver com criancinhas, ou o presente de Natal mais fofo. Um filme com garras pequeninas, que mal arranham, mas que impressionam pela beleza.


domingo, dezembro 06, 2009

A Serious Man (2009), Coen Brothers


Eu casaria com ambos os Coen se pudesse. Eles são uma das minhas grandes referências sempre que tento pensar em termos visuais, em como contar histórias. Ninguém sabe fazer comédias negras como eles. Eu gosto de comédias negras por causa deles.

Por isso, gostaria de dizer que, mal soube que eles tinham um filme novo, corri aos cinemas a vê-los. Mas não. Fui arrastada pelo meu director de fotografia, mas pronto, não se pode dizer que ele tenha perdido muito tempo a convencer-me.

Todas as pessoas com que falei, que viram o filme antes de mim, disseram-me que o fim era um bocado... hum... fora. Eu pensei, do alto da minha imensa sabedoria e experiencia cinematográfica, esta gente não conhece a obra dos Coen! Eles fazem filmes com finais estranhos! Eles são os heróis do anti-clímax! Mas não é que dei para mim, quando os créditos finais começaram a rolar e as luzes do cinema se acenderam, a virar-me para o lado e exclamar: esqueceram-se de pôr o último rolo de filme! Isto não pode ter acabado assim!

Entretanto, no dia seguinte, chego à conclusão que, além de não ter atingido completamente o fim, também ainda estou para perceber o início (exibido num irritante 4 por 3 que me fez quase levantar e ir-me queixar ao projeccionista que estava a cortar os lados do filme).

Passada uma semana, começo a conformar-me com a minha sorte e resumo-me a gostar do filme sem reservas. Afinal, quem precisa de inícios ou fins? Exposição e resolução são sobrevalorizadas...

Baseado na história bíblica de Job (se bem que para mim, isso não adianta nada à história), cheio de referências judias e de humor negro, e repleto da mestria de storytelling dos irmãos (simples, mas conciso e eficaz... que nervos, como é que eles conseguem...) , passada, mais uma vez, nos anos 60. O quase desconhecido Michael Stuhlbarg é impressivo como Larry, se bem que nada paga o prazer de ver Fred Melamed, um habituée de Woody Allen, anunciar, com a sua voz calma de Sy, 'It's gonna be fiiine', vezes sem conta, com os seus abraços.

Interessante também é o paralelo estabelecido entre o pai sofredor e o filho que perde o seu walkman para o Rabi (e sim, as palavras do Rabi são memoráveis). Claro que estamos mesmo a falar de história do Cinema ao mostrar a cerimónia de Mazel Tov pelos olhos de um adolescente sob o efeito de drogas... acrescente-se um tio que passa a vida na casa de banho com um problema de jogo, Rabis que nada devem à Bola Divinatória e, claro, um momento inesperado de deus ex machina no fim... e temos um filme que fica bem entre os filmes menores dos Coen, bem acima de Burn After Reading mas, claro, bem abaixo de The Big Lebowsky e No Country for Old Men. Sinceramente, não me importa. Ver um Coen, como olhar para um Rembrandt, é uma lição em si mesmo. E eu estou sedenta de inspiração.

PS: Sim, Roger Deakins é um senhor, até parece que era preciso dizer outra vez... e uma óptima banda sonora, duh. Óbvio.

quarta-feira, novembro 04, 2009

An Education (2009), Lone Scherfig

É bastante provável que este vá ser um dos filmes presentes no meu top 10 do ano. Por isso, claro que tenciono escrever sobre ele. No fim de semana. Decerto.

segunda-feira, outubro 12, 2009

G-Force (2009), Hoyt Yeatman


Porquinhos da Índia (não hamsters, sublinhe-se) que são espiões. E assim acaba a minha crítica.

Porque, sinceramente, o que é que é preciso saber mais? Jerry Bruckheimer tinha uns dólares para queimar e resolveu, eh, buga lá fazer um filme sobre porquinhos da índia treinados por um programa especial do governo para trabalhar para o FBI. Infelizmente – porque toda e qualquer polémica sobe os números das bilheteiras exponencialmente – a PETA não se pronunciou sobre o assunto. A comunidade de porquinhos da índia está a pensar enviar alguns representantes para defecar no computador pessoal de Bruckheimer, mas sabem como são estas coisas, fala-se fala-se fala-se mas mostrar o rabo à televisão não é qualquer um.

A resposta da Walt Disney ao tão aguardado e baladado Up! não podia ter falhado tanto o alvo. Com nomes como Penélope Cruz, Nicolas Cage e Steve Buscemi a dar a voz aos roedores, esperávamos mais. Mas afinal, tudo o que temos são cerca de duas horas de uma fórmula clássica – os bons da fita que têm de lutar para as autoridades os deixarem fazer o seu papel – com um pequeno twist final inesperado também formulaico (e, diga-se de passagem, muito mal resolvido, tudo em nome de não traumatizar as criancinhas com personagens complexas). O herói, o compincha, a sexy e o nerd compõem o quarteto inicial, que adopta mais tarde um bem vindo descabelado sem família. E no fim do filme por quem é que o nosso coração torce? Pelo hamster cuja avó conheceu um furão em tempos... Sim, a maior falha de Força G é não ter um vilão. Como pode o Bem combater o Mal quando este não é suficientemente interessante para o público? ONDE ESTÁ O LOBO MAU DESTE FILME???

Não é que não seja – como chamam nos últimos tempos quase como um insulto – ‘filme de família’ – mas nada tem que o distinga de tantos tantos outros que encontramos frequentemente entre zappings. E sabendo que a Pixar tem nos últimos tempos levantado ousadamente a fasquia do filme de animação, levando-o a todas as gerações (agradando a Gregos e Troianos, pode-se mesmo dizer), parece mal que da Disney não consigamos ver sequer uma gotinha de suor de esforço para ser especial.

De positivo apontamos o grande desenvolvimento do departamento de efeitos especiais, conseguindo juntar credivelmente personagens virtuais bastante peludas a actores de carne e osso. As cenas de acção são também exímias, mas nada nos consegue salvar dos bocejos que os intervalos entre perseguições, fugas ou destruições mundiais nos proporcionam. Sim, podia ser muito pior. Assim como está, é um regalo para os olhos facilmente esquecível alguns minutos após o visionamento. Se é isso que procuram, Força G não desilude. Se se habituaram nos últimos tempos a ver filmes de animação que vos deixam o coração cheio durante semanas... vão à sala ao lado.

Fame (2009), Kevin Tancharoen

Toda a gente que conheço me perguntou: mas porque raio queres ir ver esse filme? Não vês que é um daqueles remakes que Hollywood fez só porque alguém andava a dormir com alguém e era preciso arranjar-lhe um biscate qualquer?

Bem, mas eu sou muito teimosa. E sei lá, o trailer despertou em mim qualquer instinto adormecido, sonhos de eternidade, ah a beleza do showbiz, etc etc.

E quantas vezes nos podemos gabar de a ida ao cinema em si ser tão mais interessante que o filme? Ahein? Sim, que eu a entrar no Odeon Kensington pela primeira vez, a percorrer corredores e corredores de cores diferentes, seguindo setas dúbias, entrando numa sala completamente às escuras, e assustando os coitadinhos dos projeccionistas (sim, CLARO que fui a única pessoa na sala...), foi suficiente para me dar vontade de actualizar este blog (mais ou menos, dentro dos possíveis, sei lá....)

Fame é o filme que prova, finalmente, o quão desinteressante é o mundo do espectáculo. Eu estou na escola de cinema, eu sei do que falo. Não há coisa menos glamourosa que tentar provar aos outros que temos um emprego de glamour. Não há estilo quando se carregam Arriflexes por todo o lado.

Não vi o original dos anos 80, não. Depois disto, duvido que veja. Gostava da série, sim. Talvez por isso me sinta tão enganada quando dou não com uma história mas com uma sucessão de eventos postos em catadupa e tentando abranger todos os 'tipos artísticos' possíveis. Oh, tem mesmo um realizador de cinema. O que raio está um realizador de cinema a fazer numa academia de artes performativas é uma pergunta tão pertinente como perguntar o que é que eu estive a fazer naquela sala de cinema durante duas horas em vez de ir ver um filme de jeito. Mesmo que fosse no computador.

Sim, Kevin Tancharoen, a quem devemos esta coisa (recuso chamar-lhe filme) não tinha ainda feito nada remotamente parecido com uma longa metragem, (séries de tv sobre dança, algumas coisas sobre a Britney Spears e as Pussycat Dolls), mas bolas, podia ter tentado em segredo na garagem até conseguir fazer a coisa em condições. No need to go public de uma maneira tão embaraçosa.

Até o final é assustadoramente parecido com a vida real (seria isto um documentário? Será?), onde nada está resolvido, ninguém tem emprego e pronto, há uma cerimónia de graduação para os papás com um espectáculo ONDE O RAIO DO MAIN THEME NÃO APARECE.

Porquê um remake? Porquê? Para agradar aos fãs do High School Musical? Nunca pensei escrever isto, mas o High School merecia um ÓSCAR ao pé desta... coisa. É que até a direcção de fotografia a armar ao dramático do pingarelho me irrita. E quando julgava que uma das muitas personagens desinteressantes nos ia elevar a algum drama atirando-se para a frente do metro... eis que as outras personagens desinteressantes a salvam.

Por favor, um abaixo assinado para uma troca de título. Eu proponho SHAME.

quarta-feira, setembro 23, 2009

Dorian Gray (2009), Oliver Parker


Eu sei que não actualizo este blog há seculos, mas como diriam os Monty Phyton, Once in a lifetime, there's a motion picture that changes the history of motion pictures...

Infelizmente, ainda não é desta que actualizo este espacinho visitado por ninguém. Estou demasiado ocupada a fazer filmes (dos que seriam devastados por este mesmo blog) para poder escrever sobre o trabalho dos outros. Argh. Eu sei, eu sei. Mais uma crítica falhada que se torna realizadora. Uma vergonha partilhada com Godard (vómito) e Truffaut (o fofinho). E que humilde que estou!

Pois, é o que a film school faz às pessoas. Faz o nosso ego inchar tanto que tenho de pagar taxa adicional para voar com a Ryanair.

sábado, junho 27, 2009

Lat den rätte komma in (2009), Thomas Alfredson

Foi há muito, muito tempo que fui ver este filme ao cinema. 9 libras da minha vida (mais ou menos). E posso dizer que me lembro da coisa como se tivesse sido ontem. As imagens bem fortes de Alfredson arranjaram maneira de ficarem gravadas na minha mente durante... sete meses?

Sim, mais um filme de vampiros. Mas este é bem diferente de Crepúsculo.Muito, muito diferente. Terrivelmente diferente. Primeiro que tudo, é um filme europeu. Compassado. Com um uso da neve da fria Suécia exímio, quase que sentimos o frio sentados na audiência. Depois, os seus dois actores principais, Kare Hedebrant como o bullied Oskar e a incrível, inesquecivel, quero-trabalhar-com-ela, olhar impressivo Lina Leandersson como Eli, o estranho vampiro que mora na porta ao lado. Ou vampira.

Há muita pouca conversa durante todo o filme, pequenos momentos de construção dramática impressiva (o significado do cubo de Rubik, os pequenos actos de Oskar) e alguns efeitos especiais que, embora raros, impressionam vivamente por irromperem num mundo aparentemente tão normal apesar de sombrio - lembro especialmente a cena em que a cama de uma recém-vampira se incendeia com a luz do sol.

A direcção de fotografia é de babar durante toda a duração do filme, os planos com espelhos geniais ao ponto de terem sido o meu tema de conversa com um fellow filmmaker durante os 15 minutos imediatos a termos acabado de ver a coisa, a maneira sóbria de filmagens - que atinge quase um orgasmo na cena final na piscina - só mostra que estamos claramente perante um realizador de respeito, sem explosões nem purpurina, e que claramente sabe contar histórias que nos atingem com uma veemência inesperada, diria eu. Eu faço questão de estar na sala no próximo filme deste senhor, sem sombra de dúvida.

E a música... a música é daquelas coisas que me faz estar grata por ter assistido a isto numa sala de cinema decente, com um bom som. O que Soderqvist faz com a banda sonora é visceral, parece brotar naturalmente da fria neve que vemos no ecrã. Sem nunca se sobrepor. O que é divinal.

A história provoca discussões, tem um final aberto, há tanta interpretação como pessoas. Passeando-me por fóruns deparo-me com coisas que nunca tinha pensado. Eu vejo o filme como uma estranha história de amor. Há quem o veja como uma amizade, uma metáfora, um novo caminho para o género de filmes de vampiros. Só há um consenso: este filme conseguiu um lugar na prateleira dos clássicos. Sem espetar dentes no pescoço de ninguém.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Bedtime Stories (2008), Adam Shankman

Ai, as maravilhas de ver um feel-good movie, sem nos preocuparmos com teorias de auteur e a aplicação dos conceitos de Deleuze...

E como já vi este filme antes de ser conspurcada pela escola de cinema e jamais vou conseguir voltar a essa inocência, e porque preciso de despachar esta crítica para falar dos filmezecos que tenho visto no cinema nos últimos tempos (muito, muito poucos...), aqui vai a transcrição do que enviei para a cara e querida Take (www.take.com.pt). Bolas, também mereço um pouco de preguiça intelectual...

Corre um mito na História do Cinema que George Lucas disse um dia que, para impressionar audiências, bastava matar gatinhos frente à câmara. A fórmula mágica foi evoluindo e parece que se descobriu o método infalível de arrancar gargalhadas do público: põem-se animais com olhos esbugalhados frente à câmara. Bugsy – assim se chama o porquinho-da-índia que merecia um spin-off ou dois – pode nunca ser nomeado a melhor animal secundário, mas nada o impede de tentar dar o seu melhor e conseguir o que o franchise Qualquer Coisa Movie já não consegue há muito tempo: fazer-nos rir.


E para gáudio do espectador, há muito mais do que animais felpudos neste regresso de Adam Sandler ao que sabe fazer melhor – comédias familiares com um toque de feel-good. Há quanto tempo não era possível ver um filme do género que não tem todos os melhores momentos no trailer? Ou um filme da Disney sem uma canção final de gosto duvidoso, mas com um medley inesperado de grandes êxitos do rock?


Adam Shankman, com longa carreira como coreógrafo, oferece-nos aqui um filme de um ritmo perfeito com gags visuais de desenho animado (indo mesmo à lâmpada luminosa de ideia genial ou a um cavalo vermelho chamado… Ferrari), mas sem cair no irrealismo fácil destes. O modo original como as histórias proféticas dos sobrinhos de Skeeter se vão traduzindo para o mundo real é sempre inesperado mas perfeitamente explicável, e por isso tal como o protagonista suspendemos a respiração à espera do aparecimento de Abe Lincoln em carne e osso num momento (mais uma vez) frustrado de romance. Sandler consegue levar-nos com ele numa variação fantasiosa da história de Cinderela sem nos deixar duvidar uma única vez do que vemos, se bem que a introdução de Marty Bronson, pai de Skeeter, convidando-nos a entrar no estado de espírito ideal de quem vai ouvir uma bedtime story, faz maravilhas nesse aspecto. Já Guy Pierce, mais uma vez o vilão de serviço, impressiona mais nos seus alter-egos fantasiosos (destaque especial para o seu equivalente medieval) do que no ambicioso contemporâneo Kendall. Deliciosamente pontuados por cameos inesperados, desde Roy Schneider a Carmen Electra, os devaneios narrativos de Sandler conseguem também ironizar certas regras do género cinematográfico, sempre com um suposto olhar inocente e infantil...


Mas sim, estamos perante um orgulhosamente ‘disneyado’ filme no melhor sentido da expressão, um filme que consegue agradar a miúdos e graúdos e que futuramente será comprado pela televisão e passado até à exaustão ao sábado de tarde. Isso não retira contudo o prazer de o ver em grande formato. Aliás, em grande formato… os olhos de Bugsy são ainda maiores.

Agora sim... FILMES CONSPURCADOS PELO TECNICISMO!! YEHHH!!!

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Rachel Getting Married (2008), Jonathan Demme


O must-see indie desta ano (mais ou menos indie, não me chateiem com detalhes…), que falhou as nomeações para melhor filme por causa dos gays de São Francisco. Entre famílias disfuncionais e famílias alternativas, também eu, tal como a Academia, optaria pelas segundas.

Roberto Jonathan Demme, que por terrível coincidência faz anos este domingo (uns 140, para aí), não nos brindava com um filme desde The Manchurian Candidate. Digo, com um filme que aparecesse aqui por Portugal (o que não estreia na Lusomundo não existe realmente, até vocês devem saber disso. Os tais filmes giros que vocês julgam existir são apenas a velha conspiração americana a brincar com as nossas mentes, para nos deprimir e fazer consumir mais recursos naturais). Portanto, depois de quatro longos anos, Demme resolve dar-nos um pouco do seu jeito para o filme digital. Ohhhh. À mão, como convém a qualquer filme pós-Bourne que se preze (a maldade no meu tom é tão grande que até me saltou uma tecla do portátil. Muahahahahah.). Preenchendo a lacuna deixada pela morte de um tal John Cassavetes em 1989, quiçá comemorando os vinte anos da morte dele, eis que estamos perante uma personagem feminina que nada deve em perturbação à protagonista de A Woman Under the Influence, Mimi, Kiwi, Sissi? Mabel! Mabel, como é que não me lembrei antes…

Portanto, Kym (aqui interpretada por uma Anne Hathaway que até acho que merece mais o homenzinho nu que Winslet, mas pronto, a minha opinião nunca conta nada para aqueles anormais – no sentido fofinho da palavra, claro - da Academia…) está bastante perturbada com acontecimentos do passado, e volta a casa após uma reabilitação bastante penosa a tempo para o casamento da irmã ‘boa’, Rachel. É claro que tudo corre mal, com bastantes gritos e discussões e tentativas frustradas de suicídio (uma espécie de), e nós com tanto volteio de câmara julgamos que estamos no meio daquela coisa toda e começamos a pensar que a nossa família é tão, mas tão normal, graças aos deuses, e pronto, de repente acaba tudo como começou, indefinido, e nós damos por nós a pensar: “mas que fantástica banda sonora que este filme tem”, e “devia fazer um corte de cabelo como aquele”, e pronto, mais um check na lista de filmes a ver antes dos Óscares.

Deixando o sarcasmo de lado (isto do humor britânico está-me a atingir mais do que eu pensava), a narrativa do filme está muito bem estruturada (a guinista, Jenny, é filha de Sidney Lumet, por isso ai dela que desgraçasse a honra da família…) , o que conjugado com um estilo de filmagem mais livre dá-nos muito mais, ouso dizer, do que estaríamos à espera por aquele estranho trailer que andava a passar nos cinemas. A banda sonora, como acho que ficou subentendido algumas linhas atrás, é de comer e chorar por mais. Hathaway é uma força da natureza num papel que lembra muito Angelina Jolie em Girl, Interrupted (o que pode ser um bom indício para a actriz que começou carreira a fazer – lembram-se? – Diários de uma Princesa). Além do mais, é homónima da mulher de Shakespeare, e decerto que todas as feministas empedernidas (nas quais desta vez me excluo) sentirão um perverso prazer a ver uma Anne Hathaway a ser mundialmente reconhecida por alguma coisa (além de um par de...chifres literários...)

Já descambei outra vez… UUfff… Melhores momentos: todas as cenas em que Hathaway está, que felizmente são muitas; os discursos do ensaio do casamento; o delicioso que parece aquele bolo azul com um elefante; a música, mais uma vez, especialmente a versão rock da Marcha Nupcial; o momento em que Rachel dá banho a Kym…

Momentos um pouco menos uau: bem, por vezes parece mesmo, e apenas, um vídeo caseiro de uma festa de casamento muito atribulada…

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Happy-Go-Lucky (2008), Mike Leigh

Oh! What-chu-ma-call-it ding dang dilly dilly da da hoo hoo!

(não, a minha percepção de pronúncia londrina não é assim tão boa, fui apenas ao IMDB…)

Sim, um filme feliz, colorido e passado em Londres. Com uma protagonista deliciosa e excêntrica que se recusa a casar, ter filhos, fazer um empréstimo e comprar uma casa, ou vestir-se de uma maneira monocromática. Educadora de infância, trinta e tal anos, a aprender a conduzir pela primeira vez, sempre alegre e contente e tal. Oh, Poppy! We love You!!! Marry Me!!!

Ahhh… Mike Leigh, Mike Leigh… Eu sei que troquei o teu patronato pelo do Terry Gilliam, mas que se há-de fazer? Que tipo de realizador julgavas tu que eu pensava que eras quando vi o Vera Drake e o famosíssimo Secrets & Lies? Nunca pensei que o teu método – no script, please – pudesse resultar numa coisa tão… tão… tão alegre. Yehhh. Quero saltar de trampolim, saiam da frente.

(uma cama partida e muitos berros mais tarde)

Sim, Happy-Go-Lucky, seja lá como estiver traduzido em português que nem vou ver para não me chatear, é um óptimo filme para voltar a acreditar na vida. Ou para justificarmos a nós próprios a razão porque não queremos ser adultos e responsáveis. Ou porque sim. Sim, esta é claramente a melhor razão de todas. Porque sim.

Além do filme ser fenomenal quando o vemos tendo em mente que todo ele resultou de improvisos e muitos ensaios sem guião – o senhor Leigh é um senhor de actores, claramente -, a personagem de Poppy é tão inesquecível, tão naif e ao mesmo tempo tão perspicaz, que qualquer um de nós mais não pode do que se render aos seus pés com botas de pele de crocodilo. Não dá. Não conseguimos desviar o olhar de tanta alegria. Damos por nós a gostar muito de respirar e tal, e no fim do filme deitamos fora o suicide kit e os papéis do IRS.

A mistura de um estilo de realização clássico (isto não podia estar mais longe de J. Cassavetes, apesar do espaço ao Actor em detrimento do Guionista) com diálogos e actuações nascidos de pequenas indicações e sugestões dá uma frescura à representação, um je-ne-sais-quoi de realismo que nos devora por dentro e deixa-nos a querer comer chupa-chupas e viver em Londres. [i] Mesmo os grandes momentos dramáticos das aulas de condução (um bocadinho de menos qualidade, porque essas foram filmadas em vídeo – eu sabia! Yehehh para a –soon to be - expert em cinematografia), com a fascinante personagem de Scott, o instrutor de condução frustrado que supostamente odeia Poppy, mas… Pois, já estão a ver onde a coisa vai dar, certo? Ohhh, vocês são uns fofinhos.

Melhores momentos: todos, mas senti-me particularmente tocada pelo encontro de Poppy com Charles, no pub. Muito intenso, sentiam-se faíscas por todo o lado. Excelente direcção de actores. Os créditos iniciais. A música. O ‘drama’ com a irmã mais nova, grávida e com uma casa própria; todas as cenas filmadas em sítios onde eu estive (tão divertido reconhecer lojas onde entrei, sítios onde comi pizza, etc etc); a cor, as cenas na escola, o momento ‘pássaro’, as aulas de flamenco, o trampolim… Menos bons momentos? Alguns, mas a vida é mesmo assim, né? Pois. O que interessa é olhar sempre com bons olhos. Mirrors, signal, maneuver, En-ra-ha. En-ra-ha. Não esqueçam.
(En-ra-ha)
(EN-RA-HA!!!)

[i] é claro que nem tudo o que queremos podemos ter. Não posso comer chupa-chupas porque me fazem mal aos dentes… e Camden fica-me longe da escola…

terça-feira, fevereiro 17, 2009

The Reader (2009), Stephen Daldry


E directamente do senhor que nos fez chorar baba e ranho com miúdos que dançam ballet e seropositivos que se deixam cair de janelas abaixo, eis o filme relacionado com a Segunda Guerra Mundial nomeado deste ano. Com o Ralph Fiennes a fazer de alemão (falem-me de type casting….) A cores. Uau. Com um momento de passeata pelos campos de concentração ao jeito de documentação histórica.

Não interpretem mal o meu tom irónico/sarcástico/a armar ao engraçadinha (riscar o que não interessa). The Reader pode deixar os nossos mucos nojentos sossegados dentro de nós, mas isso não quer dizer que não seja espicaçante. Além de parecer um cardápio de ‘coisas complicadas demais para serem pensadas’, a saber relações entre mulheres de meia idade e rapazinhos de 15 anos, o direito e a moral, os crimes de guerra, a condenação simbólica, o sentido de justiça, etc etc etc , tem um elenco de peso – e isto não é uma piscadela de olho às belíssimas curvas da Kate Winslet – e uma história que, se não cometeram o erro de ler a sinopse no Sapo, consegue surpreender.

Uma reconstrução de época competente, com toda a história calmamente no background – a reconstrução de Berlim, por exemplo – e uma construção de cenários, nomeadamente interiores, brilhante (a pequena casinha da personagem de Hanna Schmidt, onde se passa o affair de Verão, com toda a sua pequenez íntima com um toque de perversidade – aquela banheira logo à entrada, meus deuses, genial…), que gosta de guiar o espectador na sua descoberta do twist mas sem fazer a papinha a ninguém; tudo é sugerido, mas nada explicitado. Quero dizer, ainda bem que não acharam necessário explicar que foi (SPOILER) por Hanna não saber ler que teve de recusar a promoção na Siemens e inscrever-se nas SS como guarda (END OF SPOILER). Mas o ainda melhor do filme é que, mesmo juntado esse 1+1=2, o comportamento dela continua injustificado. Podemos simpatizar com ela, é certo (afinal, é assim que a história está construída, para apesar de tudo simpatizarmos com ela, daí ser ela a principal vítima no final), mas há um travo amargo quando reparamos que ela tem mesmo culpa do que fez. Sim, há mais culpados, mas ela também o é.

É isso que é delicioso no filme. Hanna não é, de modo nenhum, redimida, a personagem partilhada pelo veterano Ralph Voldemort Fiennes e o novato David Cross, Michael Berg, muito menos (vamos lá, não foi propriamente querido dele deixar a tipa ir parar à prisão sabendo que ela não tinha feito aquilo que as outras diziam, e muito menos simpático não a visitar na prisão & ir buscá-la apenas para a pôr num lugar qualquer bem longe da vista), o que explica em parte um certo sentimento de indiferença final que nos atinge. Mas até aí, meus caros, turbilhão de emoções como qualquer filme nos deve provocar.

Grandes cenas? Para mim, sem dúvida, o primeiro banho de Michael, as cassetes enviadas religiosamente todas as semanas (a apontar na enorme e interminável lista de coisas a fazer um dia: ler a Odisseia), o passeio de bicicleta, o momento da revelação, o não perdão da sobrevivente, o velho Michael a levar a filha à campa de Hanna. Menos bom? Não há rapazes a dançar ballet nem seropositivos a cair de janelas. Nem vampiros. Nem justiça no mundo. Pois, mas isso já sabíamos…

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Slumdog Millionaire (2008), Danny Boyle



India, India, Índia… nos anos 60 a Meca dos Músicos, agora o must-go-and-shoot dos realizadores… Ah, a polémica, ah as nomeações, ah os globos de ouro, ah… o Óscar?

Faltam-me ver dois, mas acho que não. Mas é um claro caso de overrated? Não. É bonzinho? Mais que bonzinho, receio dizer. É muito bom mesmo. Não excelente, mas lá perto. E um feel-good movie, que é uma coisa cada vez mais rara. Senão vejamos os outro quatro nomeados – quantos deles acabam com o protagonista vivo e de bem com a vida? Pois.

Boyle começou muito antes de Meirelles a filmar o lado ‘negro’ das cidades, portanto não me venham com tretas. Ai é colorido demais? Glorifica a coisa? Exagera? É um filme que acaba com toda a gente a dançar na estação de comboio, não é propriamente Jean Rouch… E é sempre bom e reconfortante termos duas horas e tal da versão indiana de um concurso televisivo que até que gostamos, com o plus de não estarmos a olhar para o Jorge Gabriel a encher chouriços. Ou o Malato. Deuses, imaginem este filme com o Malato a apresentar o programa e, sei lá, um coitadinho jovem dos Morangos com Açúcar a fazer de slumdog… Ouch, espero que o senhor Alexandre Valente nunca leia estas linhas senão…

Mas voltando ao filme, narrativamente falando, está muito, muito bem feito. Temos os flashbacks do costume, explicações da suposta sabedoria do nosso amigo Jamal. Temos amor, temos dinheiro, temos a ambição do ‘irmão mau’, temos tiros, explosões, perseguições de carro, efeitos especiais, extraterrestres…. desculpem, nem por isso. Temos uma história certinha, sim, com tudo para resultar (ingredientes secretos incluídos), bons actores (ou deveria dizer boa direcção de actores, uma vez que muitos deles não tinham experiência prévia?), bom uso da música (nada a que não estejamos acostumados com Boyle), composições formais desniveladas (marca de autor e tal, muito bem, senhor professor), fotografia saturadíssima pelo senhor que já nos dera Dogville e a carta de apresentação do Dogme 95, Festen, - fixem o nome dele - Anthony Dod Mantle, mas deliciosa (sem chegar aos extremos coloridos de Darjeeling Limited), qualquer coisa de muitos filmes diferentes ao mesmo tempo que não conseguimos identificar tudo, e sim, Dev Patel que é tão bom que estou aqui a ver se arranjo a série em que participou, Skins, como se eu já não tivesse suficiente para ver no meu disco externo…

Grandes momentos: a queda no poço de mierda para conseguir um autógrafo (as grandes personagens de Boyle caem sempre dentro da sanita, literalmente), a nossa descoberta da love story inerente à coisa, o passar do tempo no comboio, a chegada ao Taj Mahjal, o miúdo cego que canta, todos os momentos dentro do programa, incluindo o momento confessional de casa de banho do apresentador (e mais não digo porque não me apetece escrever spoiler alert); a complexidade da personagem de Salim; o momento Bollywood final na estação de comboios.

Menos bom: aquilo ao início parece um excerto do ‘24’, a qualquer momento pode entrar o Jack Bauer por ali adentro; ou sou uma insensível (bastante provável) ou o filme – e o final, principalmente - não é assim tão comovente como me fizeram crer; será que é desta que um filme com um final feliz ganha o Óscar, ao fim de tanto tempo de filmes infelizes? Hum, pouco provável. E lado Bollywood poderia ser mais explorado, mas isto sou eu, que tenho um cd de músicas indianas de fundo enquanto escrevo isto.

Portanto, sim, original e diferente do que estamos habituados – parece-me que este é o indie substitute deste ano – mas, apesar de estar quase a meter as mãos no fogo que o Professor Boyle vai buscar a estatueta que eu ambiciono ter um dia por cima da lareira, não me parece que os produtores do filme tenham a sorte de subir ao palco… mas isto sou eu, que raramente acerto…

terça-feira, janeiro 27, 2009

Vicky Cristina Barcelona (2008), Woody Allen

intro: Barceloooonnaaaaaaa…. (voz do Freddy Mercury)…. Barceloooooonnnnaaaaaaa….

É sempre bom ir a uma antestreia, pensei eu enquanto me sentava numa cadeira partida no Dolce Vita. Pelo preço que os bilhetes estão, cinema à pala… nem que fosse o Rambo.

E pelos vistos foi mesmo bom ir ver o filme na antestreia, porque parece que, pouco tempo depois, a fita ardeu. Eu já tinha ouvido falar da ‘maldição de Woody Allen’, mas pensei que se estavam a referir a uma coisa bem diferente…

Portanto, depois de ver mais um filme do Allen em más condições – o filme não tinha começado há 5 minutos e caiu a imagem, acenderam-se as luzes, continuou depois, e de repente a meio do filme ficamos com a linha de vermelhos em extra saturação, durante uma boa meia-hora, e NINGUÉM REPARA[i] – que posso dizer eu? Bem, ainda bem que não estava em funções profissionais, primeiro; segundo, pagar 5 euros para ver uma fita a arder deve ser qualquer coisa, tens de me falar disso, Dário; terceiro, será que a ‘maldição Woody Allen’ - a outra – terminou? Hum…

Não é um Match Point – este filme grita ‘Wooooody!!!!!’ do início ao fim; tem qualquer coisa de Jules et Jim – triângulo amoroso, montagem livre, desfocagens, a voz irónica e distanciada do narrador –, com a vantagem de não ser falado em francês. Uhhhh…. Quem é o alter ego do realizador aqui? A personagem de Vicky, sem sombra nenhuma – a intelectual frustrada e neurótica. E há mesmo um género sobre americanos perdidos na imensidão cultural americana? As coisas que aprendo a ler o Público. Sim, este filme insere-se aí, sem sombra de dúvidas.

E se bem que Johansonn a fazer de rapariga insatisfeita com a vida e com pretensões artísticas, sempre em busca de mais e melhor[ii], e a ‘ ‘ com a sua vida certinha e aborrecida estão muito bem, o filme torna-se incrivelmente bom a partir do momento em que Bardem, com a sua camisa vermelha estrategicamente desabotoada e a sua personagem Juan Antonio estrategicamente desbocado, entra em cena. E quando julgávamos que a coisa não podia ser melhor, ao som da grande guitarra espanhola e tal, eis senão quando uma Penélope Cruz de jardineiras entra de rompante pela cena. Deuses, que mulher! Que furacão! Que grande pedaço lésbico de mim que se entusiasmou com aquelas pinceladas abstractas!

Além do velho cinismo de Woody sobre as relações amorosas, que desconfio ser o que mais adoro nele – afinal, estamos a falar de um tipo que tem uma relação amorosa com a ex-ENTEADA -, e o piscar de olhos a dois estilos de vida absolutamente opostos e que, afinal de contas, têm os dois os seus grandes e obtusos inconvenientes (falo das rapariguinhas americanas, claro, nada há de inconveniente em ser o senhor Bardem nesta altura do campeonato, ainda mais quando tem um penteado decente), temos também o rasar reflexivo sobre as relações amorosas entre artistas, e sobre a Arte Itself.

Melhores momentos: todos os com a Penélope Cruz, a voz irónica e distanciada do narrador, a original abordagem de Juan Antonio às duas raparigas, Cristina a vomitar nos preliminares, todo o trabalho de fotografia (digo, excepto a meia-hora estragada pelo projeccionista do Lusomundo Dolce Vita), o ménàge, o final que nada resolve, para variar.

Piores momentos não decorrentes da falta de pessoal tecnicamente qualificado nos grandes multiplexes dos nossos dias: não sei, não me lembro. Pode não ser uma obra prima, pode cheirar a Woody Allen a quilómetros de distância, mas afinal, foi com isso que eu fui a contar, claro. Alguma saudade de ver um dos piores actores de sempre (nas palavras do próprio) com os seus óculos e cabelo branco nos seus filmes. Parece que matou literalmente essa sua parte no Scoop, quando se estampou com aquele carro minúsculo… (ah, a beleza de conduzir pela esquerda…)

[i] é que ainda por cima foi a meio do filme a preto e branco, que se me varreu qual era, tal foi a minha raiva pelo que estava a acontecer…
[ii] e aqui entra o MEU alter-ego… he he he…

The Curious Case of Benjamin Button (2008), David Fincher


Tic-tac, tic-tac, tic-tac, tic-tac… Nunca subestimem um filme com relógios.

Pessoalmente, gosto quando realizadores ficam seguros e quietos dentro das quatro paredes do seu estilo, do seu toque artístico pessoal ou das suas manias técnicas, como lhes queiram chamar. Torna muito mais fácil falar deles em trabalhos para a faculdade, por exemplo. E geralmente são esses mesmos realizadores, com marcas chamadas autorais, que ficam para a história e tal.

De vez em quando, eu e outros somos surpreendidos por autênticos Prison Breaks, uns mais exaltados do que outros. Veja-se, por exemplo, Coppola com Youth Without Youth (e abstenho-me de qualificar o filme); ou PT Anderson com There Will Be Blood (não, não vou mesmo fazer comentários maldosos); os Coen com o filme que lhes deu a estatueta, No Country For Old Men (likewise); Woody Allen com Match Point (Sam-Wise); e para acabar uma lista que, ao ser levada à exaustão, não cabia no Blogger, David Lynch e A Straight Story (dizem). Gostemos ou não do resultado destas fugas, o certo, meus caros amigos, é que – e tenho pena de não haver uma expressão igualmente forte que não fosse tão marcada de género, por causa das minhas futuras colegas – é preciso tomates. E Fincher lançou-se sobre o abismo com um filme que não tem nada (?) a ver com a sua obra anterior. Será que resultou?

Para mim, na minha estúpida opinião, sim. Ok, tem ecos de The Big Fish, além que o trabalho de maquilhagem é tão assustadoramente bom que parece que estamos a todo o momento à espera que apareça o Gollum a dizer para o Brad Pitt my precioussssss. E embora pareça ter a ver com a história do último filme do Coppola, não tem nada a ver. Esta história é muito mais fatal, mais emotiva, mais forte.

Primeiro que tudo, todo o production design, a sensação que temos de ir ouvir uma história, a imitação de filmes antigos, a banda sonora fortemente evocativa, o passar ligeiro pela história americana. Depois, Brad Pitt a convencer-nos que é um ser singular, velho e de cadeira de rodas e tal. Quando Blanchett aparece no papel de bailarina promíscua (aliás, já estávamos extasiados pelo aparecimento dela como moribunda), ficamos sem palavras. As cenas de dança são de uma beleza que nunca suspeitaríamos serem gravadas na câmara de um tipo que nos deu a crueza do mundo moderno. Todo o filme é tão poético, tão fairy-tale, que nem nos chateamos com a ‘grande revelação’ à filha de Daisy (Blanchett). Nem com a evocação do furacão de Nova Orleães, que funciona um bocado como Titanic – já sabemos o que vai acontecer no fim mas, mesmo assim, ficamos impressionados quando acontece.

E se a coisa, para alguns, não funciona, para quem se deixa levar – se bem que com as expectativas a voar muito mais alto do que o filme em si – dá por si com a lagrimazinha ao canto do olho nos quinze minutos finais.

Grandes momentos: os créditos com botões, a história do relógio que anda para trás, a ‘cura’ na igreja, o funeral da cantora de ópera, a dança de Daisy no coreto, os flashbacks do homem que fora atingido por relâmpagos ‘sete vezes’ (e esperemos que este humor macabro de Fincher nunca desapareça), a breve história de amor entre Pitt e Tilda Swinton na Rússia, o momento do acidente de Daisy a evocar um bocado o Run Lola Run, os anos sessenta e finalmente a relação Daisy/Benjamin, o aparecimento de Benjamin como um miúdo cheio de acne e demente, o bebé Benjamin, o epílogo, etc etc etc.

Momentos menos bons: Hum, talvez nalgumas partes ainda seja um pouco ‘frio’ – o que torna o filme, numa analogia genial, super culta e esfomeada que me lembrei agora, um pouco como um semifrio coberto de chocolate quente – o que desliga as pessoas da coisa por segundos preciosos, e sem dúvida que, pelo trailer e hype à volta, esperávamos uma coisa mais poderosa, mas mesmo assim, quem não for ver este filme decerto arderá no inferno dos maus cinéfilos. Talvez. Um bom clássico futuro, sem dúvida nenhuma. Por mim, por toda a minha falta de consideração por valores estéticos e cinéfilos e etc, adorei adorei adorei.

NOTA: Lembram-se do elogio que fiz à Lusomundo por deixar de passar quantidades ridículas de publicidade desactualizada e pôr só trailers? Esqueçam.


POST-NOMEAÇÕES: Bem, 13. Uau. Será que posso não ser uma boa crítica, mas estou mesmo lá com a mentalidade da Academia? Hum...

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Changeling (2008), Clint Eastwood


E a época de caça aos Óscares está oficialmente aberta! Saquem das espingardas para acertar no vosso realizador desfavorito e na banda sonora mais irritante de sempre!

Não, não é este. Tive esperança que fosse este o filme irritante deste ano, mas não. Bolas. E eu que até tenho uma implicação com Mr. Eastwood desde que ele realizou aquela coisa sobrevalorizada chamada Million Dollar Baby. Implicação não. Digamos arrufo. Acrescente-se que este é um senhor do cânone, e eu não gosto de pensar em mim como alguém que acende velas e faz oferendas ao cânone…

Anyway…

O filme da Angelina Jolie, como é conhecido entre os meios menos cinéfilos, fala de uma criança desaparecida. E de um departamento de polícia que encontra a criança… errada. E assim, Christine Collins aka maiores lábios pintados de vermelho que alguma vez tivemos oportunidade de ver no grande ecrã, empreende uma luta para ter o seu filho verdadeiro de volta, luta essa que passará por várias cenas bastante, hum, jolies (IRONY AND PUNWORD ALLERT!), passadas em manicómios, galinheiros, forcas e, alas, os tribunais. Já disse que é passado em Los Angeles dos anos 20, com o toquezinho de época? Já disse que foi Mr. Eastwood que compôs a música himself (e não, não é irritante)? E que, apesar de ter o John Malkovich a dar apoio a Jolie, não há romance, nem beijo, nem, meus caros quatro leitores, UMA ÚNICA CENA DE SEXO?

E não é que o filme é muito bom?

Primeiro, a menina Jolie está quase irreconhecível (lábios aparte), magrérrima (ela teve mesmo gémeos????), e toda a sua atitude está tão “dêem-me o Óscar que eu mereço”, que embora ainda tenha de ver as outras meninas e tal, vou ficar com pena se ela for de mãos a abanar para casa. Há um único momento onde todos nós podemos ter a certeza que é a Angelina Jolie e não um clone mortiço e com excelente jeito para a representação que está à nossa frente: no manicómio, quando ela se vira para o médico e diz esta magnífica frase que irá ficar para a História do Cinema com C grande: Fuck you and the horse you rode on. Genial.

Depois, duvido que tenha havido alguém na sala que tenha ficado aquela cena de uma brutalidade de bradar aos céus, nos galinheiros do rancho. E isto nem o filme ia a meio (nota: finalmente uma boa razão para os intervalos existirem: sabemos quando o filme vai a meio). A maneira como foi filmada – não vemos tudo, apenas excertos – torna a coisa muito, mas muito mais chocante se víssemos mesmo o maníaco em plena acção. O ter posto o miúdo de 15 anos como cúmplice praticante, então… deuses. Demasiado murro no estômago.

E assim Mr. Eastwood vai brincando com a nossa expectativa até ao fim, dando-nos uma chapada na cara de vez em quando, um murro no estômago aqui e ali, e se por um lado estamos todos desertinhos para um tension release – i.e., que o raio do miúdo apareça, isto até um certo ponto, e depois se o raio do miúdo morreu ou não no rancho -, e todos queremos um final feliz, no fundo no fundo, por outro lado – e começa aqui o SPOILER ALLERT – se ele tivesse mesmo aparecido o filme teria sido uma merda. A sério. Porque assim era como se tudo tivesse perdido subitamente o sentido. A luta, e tal. E fazer festinhas em nós depois de tanta pancada… ná.

END OF SPOILERS ALLERT.

Fotografia, ouch. Reconstrução de época, uau. Bom pormenor, o dos eléctricos. Roupa dos anos 20, check. Afirmações muito interessantes sobre o papel das mulheres na altura, a polícia, a ideia de justiça, etc etc. Música, fica no ouvido, cumpre a missão, está aprovado, Mr. Eastwood. E, no fim de tudo, como se não bastasse, based on a true story. O tipo jogou a artilharia toda, não haja dúvidas. Hum, isto vai ser renhido…

Mas sim, um filme bastante impressionante, e so far – não desdenhando do ‘Austrália’, que é poderoso mas não na mesma linha – o melhor filme que vi no cinema este ano. Ah e tal, ainda só fui ao cinema duas vezes e estamos em Janeiro. E eu digo, ………. E depois?

PP. Este quase de certeza que vai fazer parte da lista de nomeados. Também ponho o meu dinheiro virtual inexistente no filme do Boyle e do Sam Mendes. Tenho quase a certeza, embora ainda não tenha visto mais nenhum dos runners, que o meu preferido é capaz de ser outro que não este, mas de qualquer maneira… (ou então não…) Duh, claro que sim. Claro que, a não ser que o Revolutionary Road seja UAU, vou estar a torcer pelo senhor Fincher. Esse sim, o meu estilo de filme e realizador.

(e não é que a Lusomundo, depois de ter feito o horror de aumentar o preço dos bilhetes, deixou de passar publicidade idiota antes dos filmes e só passa trailers? Será possível? Irá durar????)

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Australia (2008), Baz Luhrmann



É claaaaaro que alguém como eu tinha de ir ver este filme. O cheiro a epic chick flick era inebriante. E, mes amis, estamos a falar do Hugh Jackman. A cavalo. Com a camisola molhada. Coisas dessas não acontecem todos os dias. E mais, estamos a falar de um dos poucos realizadores dos quais eu vi a obra completa. Sim, os três filmes anteriores. Inteirinhos. Isto hoje pode não contar muito, mas daqui a 40 anos, quando ele tiver feito mais uns vinte ou trinta… ah pois é.

E passemos à parte irritante e desnecessária onde eu exibo os meus conhecimentos cinéfilos. Sim, o Senhor Luhrmann é um excêntrico. Sim, o Senhor Luhrmann é um megalómano. Sim, o Senhor Luhrmann tem um estilo tão distintivo que aposto que até os vídeos caseiros que ele faz dos seus filhinhos se devem topar a léguas. E sim, para quem veio à procura de um quarto volume na Red Curtain Trilogy ficou desapontado. Mister Luhrmann is no Douglas Adams, oh no. Mas Mister Luhrmann sabe o que faz. E poucos terão o descaramento de o fazer tão à grande como ele. E é tão inspirador ver um realizador jovem, australiano e bem parecido a lançar-se sobre o abismo com tanta confiança… que parece que todos torcem para que ele parta a câmara de vez. Porquê, porquê, porquê? Mauzinhos que vocês são, críticos maldosos do Mister Luhrmann…

Se vejo Mr. Emmerich como o sucessor endinheirado e talentoso de Ed Wood, tenho forçosamente de ver em Mr. Luhrmann um… hum… um Cecil B. Demille meets MTV. Para aí. Claramente.

Vejamos agora o filme com os olhos educados e super-analíticos de quem está prestes a entrar numa escola de cinema, e acabou mesmo ontem de ler o See Your Film Before You Shoot. Hum. Mr. Luhrmann claramente apontou para o épico emocionalmente estafante, senão vejamos:

- começa o filme ligeirinho, com a introdução da fofura que a personagem de Nullah, o ‘creamy’, é. Kidman aqui mais não é que uma caricatura de inglesa mimada (deuses, dêem-lhe um Óscar só pela sequência dos ‘kangoroos! They’re jumping! Look! They’re… AGAHAAHAHAHAH’), Jackman faz de homem sujo e vivido, Carnay, o rêi du Gádu (em brasileiro no original), o antagonista suprasumo, Fletcher, o pau-mandado sem um pingo de piedade ou vergonha. Até que…

…o filme vira de uma luta pela independência para uma história de amori e racismo…

… Fletcher surge como verdadeiro antagonista (deuses, a personagem é mesmo unidimensional, a encarnação do mal até aos últimos momentos)…

… o homem forte da coisa zarpa rumo ao pôr-do-sol e a mulher frágil põe tudo em jogo pelo seu instinto maternal…

…chega o momento Pearl Arbour que todo o realizador deve meter no currículo pelo menos uma vez na vida….

… reencontram-se todos, salvos e sem tragic flaws, e o filme ‘acaba’…

… o respeito pelos aborígenes vence tudo, até as mães galinhas, e acaba o filme, desta vez a sério.

Ora bem… porque é que o filme irrita tanta gente? Por ser longo? Não me venham com tretas. Nem chega às três horas E não tinha como único motivo de interesse o Daniel Day-Lewis oleado a berrar de um lado para o outro… Por ter momentos assumidamente e orgulhosamente ridículos (aka momentos de evocação Wizard of Oz?) Hum… claro que carros a transformarem-se em robots e a lutarem contra o mal NADA TÊM DE RIDÍCULO…

O que irrita as pessoas, acho eu do alto da minha insignificância (e convém despachar que isto já está a ficar grande e nem sequer mandei as chalaças do costume ainda) é que é um filme EMOTIVO. Ou seja, é um daqueles filmes para ir, viver a coisa deixando o lado intelectualóide de fora, e CHORAR. Tipo, sim, Gone With the Wind. Duh. Claro que se é um filme emotivo feito antes dos anos 50, é genial, é um clássico, é arrebatador. Se é algo recente, buuuhhh.

Duh.

Não digo que o filme seja, uau, é o MELHOR FILME DE SEMPRE!!![i] Não. Mas é bastante bom. Bom, ponto. E a embirração com a Kidman, donde é que veio isso? Deuses…

Pontos altos: a fotografia à la Luhrmann (que parece saída de um livro de fotos do século XIX e, no entanto, com uma atenção à cor…), a edição estilosa da senhora Dodi Dorn (que copiou uma ideia da antiga colaboradora de Luhrmann, Jill Bilcock, para a cena de sexo… não digo qual porque também tenciono inspirar-me livremente na coisa para uma curtazinha que está a ser editada de momento…), a emoção despudorada, Brandon Walters como Nullah, as sequências open field, a cena dos cangurus (fica para a história do cinema…), o romance, vá lá, as canções aborígenes, os ‘quatro’ finais diferentes, cada um a puxar mais e mais o elástico do espectador e os canais lacrimais…

Pontos, digamos, um bocadinho mais baixos: a evocação descarada do filme Pearl Arbour (se bem que, pensando nisso, será possível fazer uma cena do género de outra maneira?), a linearidade da personagem de Fletcher, o momento ‘disney’ com a canção do genérico final…

Resumindo e complicando: for the next movie, Mister Luhrmann, save me a chair, please. :D

[i] Porque será que me vêm à cabeça as imagens sobrevalorizadas de poços de petróleo à cabeça sempre que digo isto? Hum…