segunda-feira, maio 07, 2007

O Mistério da Estrada de Sintra (2007), Jorge Paixão da Costa


O melhor elogio que se pode fazer a este filme é comentar, ‘bolas, não parece nada português’. Meus caros amigos, passei horas e horas a comentar a fraca qualidade da fotografia cinematográfica em Portugal, para chegar este filme e desmentir-me à parvalhota. Lindo lindo lindo.


Depois o som. Vocês sabem como o som nos filmes portugueses costuma ser uma treta, tendo-se de recorrer constantemente às legendas para perceber a diarreia verbal que os actores vão tendo. Sempre me intriguei porque raio percebíamos tão bem as novelas e a treta de um filmezeco era tão complicado. Este filme utiliza o som dobrado, e por vezes nota-se, mas – meus caros amigos – a nitidez da compreensão sonora chega a um tal refinamento que julgamos estar perante um filme feito no estrangeiro.


Digamos de passagem que a história é bastante boa. Sempre achei que aquele grupinho de dandies que adorava andar à porrada com os românticos dava umas boas horas de entretenimento celulóidico. Pegar na génese da obra ‘O Mistério da Estrada de Sintra’ não é propriamente original se pensarmos a nível mundial (Shakespeare in Love, Amadeus, Relatório Kinsey... ) Mas dentro da ‘indústria’ portuguesa, penso que é insólito. E é bom reparar que temos tão bons temas inexplorados dentro das nossas parcas fronteiras.


Durante esta semana andei a berrar para quem me quisesse ouvir que os dois grandes problemas do cinema português são dois pontos a ausência de grandes planos e planos de pormenor (uma espécie de pudor em aproximar demasiado a câmara das coisas) e a falta de credibilidade dos actores a desempenharem os seus papéis.


Adoro ser contrariada nestas coisas. Este filme utiliza todos os planos e ângulos correntes do cinema comercial – já vou discutir isto do comercial mais à frente – e os actores, com excepção de uns secundários ocasionais, são tão bons nos seus papéis que agora quando imaginar o Eça de Queirós vou sempre ver o Ivo Canelas. E o António Pedro Cerdeira, que admiro há um certo tempo, está tão bom como o protagonista, mas fica educadamente em segundo plano. E a condessa, interpretada por Bruna di Tullio, argh, que linda e perfeita para o papel. Noto em Canelas sobretudo aquilo que ele uma vez disse num workshop sobre A Tempestade de Shakespeare, onde tive o prazer de participar – repetir as falas em todos os momentos até elas fazerem parte de nós e saírem naturalmente como se fossem nossas. Isto só para dizer que já estive na mesma sala que o Ivo Canelas. Nã nã nã nã nã, nã!


Li no Público, aquele reduto da crítica implacável (tenho a impressão que foi o Vasco Câmara que escreveu, mas não ponho as mãos no fogo), que isto era um novo Crime do Padre Amaro, feito para atrair as audiências, baseado em Eça de Queiroz que nos últimos tempos se tornou uma espécie de Jane Austen portuguesa (esta piada é minha, que os tipos não têm nível para dizer este tipo de coisas), e blá blá blá que treta de filme, buga dar só uma estrela e espetar 5 estrelas naquela cena do Tati, porque sobre ele já há livros e estudos editados há muito tempo.


Por vezes dou por mim a pensar que sou uma espécie de D. Quixote da crítica, a defender filmes que todos mandam abaixo, a mandar abaixo filmes que toda a gente exalta, e que qualquer dia estou eu a ir em direcção a um jantar romântico nas cantinas e sou brutalmente atirada das Monumentais abaixo. Hum, não é uma imagem bonita. Mas deixem-me mandar os meus lamirés irreflectidos enquanto o meu nome não andar pelas revistas cor-de-rosa: desde quando é que um filme tentar atrair público é pecado capital? E comparar com o Crime do Padre Amaro? Por Favor! Sim, está lá o Eça, está lá o sexo, estão lá os seios perfeitos das duas tipas, mas não estão lá os homossexuais, nem os gangs, nem a banda sonora dos Da Weasel ou outro grupo semelhante… nem a presença da nudez da actriz para compensar a falta de jeito da mesma para representar! Em verdade vos digo, saí muito feliz do cinema por pensar que há pessoas competentes no cinema em Portugal, e que talvez haja salvação para quando começar a trabalhar cá. E um filme com tantas referências históricas e literárias, será que podemos mesmo etiquetá-lo de comercial? Para mim, que não sou ninguém, não me canso de vos lembrar, é um delicioso exemplo de ‘meio-termo’ entre o telefilme para os putos de 12, 13 anos baterem umas pívias e o filme de inspiração oliveiresca com 5 planos e 4 horas para os intelectualóides se dedicarem a fantasias onanistas.


Vão ver. Ajudem a tornar este o filme português mais visto de sempre. Para limparmos as estatísticas e fazerem uma edição especial em DVD, e não desaparecer como é costume com os filmes bons feitos por cá…

1 comentário:

S.B. disse...

Como fã incondicional do Eça, fiquei muito contente por ler esta critica ;) queria tanto ver o filme e ainda não pude, estou a ver que não o vou conseguir apanhar no cinema :/

Ai Sara, gosto tanto da forma como escreves e do teu sentido de humor!

Kiss, Sandra.