segunda-feira, janeiro 18, 2010

Das Weisse Band (2009), Michael Haneke



Um filme de Haneke é sempre um acontecimento. Desde Funny Games na sua versão original, passando pelo perturbante Caché (seja lá qual for a inspirada tradução do título para português) até A Pianista que nos habituámos a ser surpreendidos, chocados e profundamente incomodados por tudo o que sai da sua imaginação narrativa retorcida.

Mas eis que surge O Laço Branco, e somos confrontados com um objecto que nos faz pensar que as viagens no tempo são possíveis, e estamos perante um filme de Bergman, aliás, uma combinação de Tarkovsky com Bergman, uma delícia cinematográfica para os cultores da velha escola. Qualquer plano deste filme é um pequeno orgasmo visual. (1)Mas não se pense que Haneke se limita ao pastiche inconsequente – bastam dez minutos de filme para sabermos que estamos novamente no mundo estranhamente distante de uma sociedade corrompida a que o cineasta austríaco tão bem nos habituou.

Mais uma vez, as “pequenas guerras”, o tema preferido do realizador, são apresentadas através da voz de um velho professor, que relembra os estranhos acontecimentos numa pequena vila austríaca pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial. Tudo começou quando o médico caiu do cavalo – daí até ao fim, mortes, assassinatos, violência gratuita, incesto e até uma pequena brisa de amor inocente são-nos apresentados através de um inesperado não-explícito (ie tudo acontece fora de câmara) que povoa a imaginação dos espectadores com rumores e insinuações muito mais fortes que qualquer factualidade mostrada no ecrã. Este é decididamente um caso em que uma imagem pode valer por mil palavras, mas o não dito vale por mil imagens. E consegue-se finalmente o impossível - fazer um filme sobre a Segunda Guerra Mundial passado umas dezenas de anos mais cedo.

Para acentuar o distanciamento da audiência – é sabido que Haneke não é grande fã da manipulação emocional, preferindo jogar com a inteligência – todo o filme é num preto e branco que quase cai na beleza (cortesia do cinematógrafo Christian Berger, colaborador habitual de Haneke) e não há música extra-diegética. Com um estilo lento, de câmara circunspecta nos seus parcos movimentos (veja-se a cena onde o Professor visita Eva a primeira vez, onde nos sentamos ao lado dos irmãos dela observando o acanhado casal), mas que nunca se torna desinteressante ou aborrecido, O Laço Branco dá uma chapada de luva branca a muitos filmes supostamente artísticos barra europeus que culpam a cultura pop de massas pelos fracos resultados de bilheteira. Para ver e rever e ver e rever e ver e rever... Bem, vocês perceberam a ideia.

(1) Não resisto a, num pequeno momento de trivia inconsequente, dizer que foi tudo originalmente filmado a cores porque os produtores não se deixaram convencer pelos argumentos de Haneke. Isto é, até verem o bicho que tinham em mãos.

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