segunda-feira, novembro 20, 2006

Perfume (2006), Tom Tykwer


Sim, a Maria Antonieta já chegou a Coimbra (demorou-se porque se esteve a vestir), mas eu tinha, absolutamente, de ir ver este filme. É com alegria que anuncio que SIM, li o romance de Patrick Süskind antes de ver o filme e – é tão raro isto acontecer – NÃO, não fiquei NADA desiludida com o filme. Agora que aprendi o valor expressivo de usar maiúsculas num post, não quero outra coisa. Agora que descobri que é possível uma adaptação que capture a essência – percebem, essência, perfume… hoje sinto-me genial – de um livro, não vou perdoar ou ser complacente (vêem? Até uso palavras caras…) com os próximos Harry Potter, nem com nada do género que nos reserva o futuro.

O filme é MUITO BOM, mesmo. Conseguiu libertar-se do estigma da adaptação - e agora vou citar João Mário Grilo, só pra dar uma de snob que por acaso anda a ler sobre estas cenas: Regra geral, basta que um filme enuncie claramente que é “adaptado de…” para que sobre ele pensa, imediatamente, uma hipoteca identitária, com o seu rosário de especificações e – pior ainda – comparações. («O cinema não filma livros…», in Discursos. Estudos de Língua e Cultura Portuguesa, nº11-12 (Outubro de 1995/Fevereiro de 1996), p.210). Tenho de confessar que sou uma daquelas pessoas que gosta de ver adaptações fiéis que excedam o original, se possível. Este filme é um desses casos.

Pronto, tenho de falar do filme propriamente dito. O realizador, Tom Tykwer, é o mesmo de Lola Corre Lola - ou seja, o tipo tem efectivamente um fetiche por ruivas. Os actores principais são ilustres desconhecidos. O rapaz que faz de Jean-Baptiste Grenuille (Ben Whishaw), se bem que mais bonito do que a imagem transmitida por Süskind, faz um papelão daqueles de fazer muita impressão. Ele veio para ficar, mes amis, ouçam o que eu vos digo. Pelos vistos fez de criado da Pórcia no Mercador de Veneza - bem me parecia que a cara não era estranha.
Algures li uma crítica (naquele jornal que começa por P, acaba em O, e é sinónimo literal de audiência) – negativa, porque crítico de jornal é um monstro sempre muito mal disposto para tudo o que perturba a sua normalidade de matiné da Sic de tarde – a evocar Hannibal Lecter. Sobre o Silêncio dos Inocentes, devo ser das únicas pessoas que leu o livro e não viu o filme. Mas percebo a ideia. Sim, um serial-killer sem sentimentos que procura o perfume ideal, estou a ver as semelhanças. Mas negar que a história de Süskind é muito boa – mais não seja pelo incrível twist final e pelas descrições abrasadoras de algo tão indescritível como o é um cheiro – só porque é um best-seller de há 20 anos e muita gente a leu – francamente! É o mesmo que negar originalidade à J. K. Rowling só porque combina Tolkien com Enid Blyton – que mal tem uma pequena mistura de vez em quando, seus puristas manhosos? (Eu hoje tou pra defender o Harry Potter – a obra literária, bem entendido. Sim, literária) Há imensas histórias de serial-killers, ora essa, e esta é radicalmente diferente do comum – quanto mais não seja pela temática do ofício de perfumista. Senhor Jorge Mourinha, go f*ck yourself, seu escritor falhado. Sim, falar sobre o filme. Não me esqueci.

Retomando os actores, o tipo que faz de Grenouille está nos trinques. As ruivas, pronto, além de serem ruivas passaram um bocado ao lado. A virgem final – a 13ª essência – devia ter algo mais nela para suscitar a obsessão de Grenouille além daquele cabelo fenomenal. Um Dustin Hoffman irreconhecível até ao momento em que abre a boca – ainda estou para decidir se isto é uma crítica ou um elogio, desculpem. Alan Rickman, ou ‘Snape’ – deve ser por isso que o Harry Potter não me sai da cabeça – mediano, mediano.

O argumento adaptado, como acho que já perceberam, está genial. Claro que a Caroline Thompson tinha de estar metida nisto. Uma tipa que se mete com compositores tem necessariamente de ser genial (pronto, a primeira private joke deste blog. Já tardava…). Para quem a não conhece, sim, é uma habitual colaboradora de Burton. Não se percebe? :) (eis o primeiro smiley do blog)

A fotografia está de bradar aos céus a perguntar: “Deus, porque não contrataste este director de fotografia para te ajudar durante a Criação? Sua divindade inconsequente e inexistente…”. Todas as cores de Grasse estão – ui – aromáticas como tudo. Uma das virtudes deste filme – ou terá sido dos comprimidos da gripe? Ou de ter estado três dias sem sentir o cheiro das coisas e estar cheia de saudades? Sei lá – é evocar os cheiros tão bem ou melhor do que o livro. Para mim o cheiro sempre foi um elemento potencialmente cinematográfico. Nos inícios do cinema ainda tentaram, mas sabem como é, era algo tão ridículo, raspar uma lista em determinado sítio correspondente a determinada altura do filme… Tenho perfumes que associo a filmes, o da pessoa mais perto de mim que se encharcou antes de vir para a sala. (por isso é que para mim ir ao cinema é que é. Em casa o único cheiro que tenho é a comida ou a cão.) Toda aquela fruta tão viva, aquelas flores coloridas, a própria banha… hum! Uma verdadeira Gesamtkunstwerke…

Momentos memoráveis – o nascimento de Grenouille, os da vendedora de ameixas, enquanto viva e enquanto cadáver, a casa do perfumista a desabar, todo o empenhamento de Grenouille na sua colecção, e, last but not least, o momento em que Grenouille sobe ao cadafalso – e para não ser acusada de spoiler, não vou adiantar mais. Claro que o final touch tem muito que se lhe diga…

Quatro euros muito bem pedidos emprestados para ver este filme. Sem dúvida. Subiu a fasquia para os próximos que for ver, disso tenho a certeza. Mais um que vai para a colecção de DVDs mal fique a um preço decente – isso diz quase tudo, não? Snif snif.

PP- Nunca entrei dentro de tantos narizes como neste filme, disso tenho a certeza… Otorrinos, este é o vosso filme por excelência.

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