segunda-feira, setembro 29, 2008

Nightwatching (2007), Peter Greenaway


Que bom que é ter a possibilidade de ver em ecrã grande um dos grandes senhores do cinema inglês e do experimentalismo cinematográfico! Ah, TAGV abençoado que (quase) nunca nos abandonas…

Greenaway, para quem não sabe, é um maluco – no bom sentido. O seu primeiro filme, The Draughstsman Contract, é uma delícia cerebral, que mostra bem a formação pictórica do seu autor. E agora, com a teatralização de um dos mais famosos quadros de Rembrandt Van Rijn, deuses, ele volta à boa forma depois de uma longa ausência dedicada à televisão e à vídeo-arte.

Primeiro que tudo, nunca me deixo de surpreender pela artificialidade dos cenários, e contudo pela sua exuberância simplista, pelo paradoxal de uma nudez muito mais natural que um figurino, pelos diálogos verdadeiramente shakespeareanos e encantatórios. Ver um filme de Greenaway é sempre uma experiência mística. Nem sempre agrada – é preciso estar no estado de espírito certo para permitir que a extravagância nos seduza, e conhecimentos do delicado sarcasmo britânico são também recomendados. Mais, qualquer intertextualidade que julguem captar quase de certeza absoluta que não é coincidência.

A história, que mistura a semiótica do quadro com a biografia do pintor, ousadamente passada na sua maioria à volta de uma cama móvel e um telhado com anjos humanos, é ousada. Pessoalmente, não sabia nada da vida do pintor: a curiosidade aguçou-se-me, sem dúvida. Mais, nunca irei olhar para a Ronda da Noite da mesma maneira. Sempre achei que era um quadro bastante aborrecido de ‘tradição italiana’. Percebi finalmente que é, sim, uma paródia a essa mesma tradição, e com pormenores bem obscenos que revelam a podridão da nobreza que o encomendou e nela está representada.

Martin Freeman, a fazer um papel sério. Dêem-nos mais disso, por favor! Não só se revela fisicamente parecido com os retratos que conhecemos do autor, como há momentos em que esquecemos que ele é o eterno apaixonado da Shaun no The Office. Por momentos, digo, porque Greenaway brinca mesmo com esse nosso conhecimento prévio e põe-no a falar directamente para a câmara, apresentando as suas mulheres, putas e conhecidas.

Os cenários são teatrais, espartanos (o que não deixa de ser estranho neste realizador), e muito, muito escuros. Aliás, a fotografia, e a ironia com que quase casualmente são representados na película os momentos de tela de Rembrandt (com especial destaque para o momento do tapete oriental, ao ar livre), estão de mestre. A escuridão que só desaparece quando por momentos passamos de uma tradição pictórica para outra, quase no fim, é omnipresente. I’m watching the night… I’m night watching………. Darkness everywhere, with occasional lights spasms, if you’re lucky…

Destaque também para a intensa banda sonora, que não é da autoria de Nyman, o eterno companheiro (as associações realizador-compositor andam ultimanente a desfazer-se em pó, vide Burton-Elfman… Que se passa?), mas de um polaco de seu nome Wlodek Pawlik e que será atentamente seguido por mim e penso que por toda a gente que teve o prazer de estar naquela sala. Aliás, nem me importo de ir parar à cadeia por sacar ilegalmente as músicas desse senhor, porque vale a pena. Mais, nem me importava de dar dinheiro por um cd ou dois ou mais desse mesmo senhor.

Não me parece que Greenaway seja um bom elemento de transição de blockbuster para filme de arte, para aqueles que querem ser iniciados no cinema mais alternativo, mas para quem já gosta de filmes fora do normal, é a melhor maneira de reafirmar e reacender uma paixão. Deve ser o único realizador ‘teatral’ que não consegue ser aborrecido, mesmo que tente. Ou o único a quem perdoamos extensões no tempo da película desnecessárias… Pensem numa mistura de João César Monteiro (o interesse e estranheza do sexo, por exemplo) com o barroco de Baz Luhrmann, alguns laivos de Lynch e sobretudo muito teatro do século XVII… nem assim conseguem imaginar o que seja, a menos que tenham visto…

E agora uma frase cliché para terminar: Um must-see de um agradável regresso.

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