quinta-feira, janeiro 03, 2008

Land of The Blind (2006), Robert Edwards


Land of the Blind, em português ‘Terra de Cegos’, dirigido por um ainda verdinho Robert Edwards, estreado nos States o ano passado e que só este ano tivemos o prazer de o ver nas nossas salas, no caso de Coimbra numa única semana – já que não se mantém para a próxima – arrasado pela crítica americana, penso que posso dizer desprezado ou ignorado pela portuguesa – não tenho indicações da opinião de Mário Voldemort Torres nem de Jorge Sauron Mourinha; eis que nos encontramos perante um objecto tão estranho e, ao mesmo tempo, tão fascinante, tanto que me apetece dizer, apesar de ainda estarmos em Novembro e Hot Fuzz e Sweeney Todd parecerem prometedores, que foi, pelo menos para mim que não sou ninguém, o filme do ano – estando consciente do irónico que é chamar filme do ano a um filme de 2006.

Quem, por alguma estranha razão, viu o trailer, ficou com a ideia que este seria uma espécie de, para o espectador normal, um Filhos do Homem que muda o ênfase do ambiente para a política, ou, para o espectador ideal e cinematicamente culto, um revisitar de filmes do género 1984, Brazil (Terry Gilliam) ou mesmo Fahrenheit 451 do nosso amigo François Truffaut.

(a propósito, houve um crítico americano – os críticos americanos têm destas coisas, são de uma maldade inteligente e charmosa incrível - que resumiu o filme na expressão Brazil as directed by Ed Wood)

Ou seja, uma distopiazinha à la carte, de esperar umas boquinhas ao senhor Bush Júnior, à guerra no Iraque, uma comparaçãozeca dos Estados Unidos com a Alemanha nazi para escandalizar as pessoas, quiçá uns helicópteros em câmara lenta, Ralph Fiennes a tentar redimir os últimos devaneios da carreira e tentativas de assassinato do Harry Potter… seria o óbvio. Realização convencional, talvez numa mistura de Cronenberg com Spielberg nos seus dias mais felizes, nada muito espampanante, limpinho…

O je ne sais quoi do filme – e se há filme que tem um je ne sais quoi, é este (e esta piadinha só é compreendida por aqueles que tiveram o prazer de o ver) – é que não podia ser mais imprevisível. E vou-me conter para não lançar spoilers sobre spoilers para não estragar surpresas, que são muitas. O início do filme é com uns elefantes. Depois temos footage a armar ao antigo para nos pôr dentro da situação política de um país sem nome, governado pelo segundo membro de uma terrível linhagem, Maximiliano II, que além de ditador é também um convicto realizador de cinema, autor de obras do gabarito como With a Vengeance 4 – em português qualquer coisa do género ‘Implacável Furioso’. Ah, ah, ah, eis a crítica oportuna ao mediatismo de certos políticos, nomeadamente actores que viram senadores e candidatos a presidente que viram documentaristas. Depois, os rituais ridículos, uma Primeira Dama, não de Ferro, mas em bondage, o preso político amado pelo povo, a ajuda de alguém que até que não se sentia muito afectado pelo sistema, mas buga lá mudar o mundo – estou a falar da personagem de Ralph Fiennes - o assassinato, a revolução… e a instauração de uma nova ditadura, ainda pior que a primeira. Bem apanhado, sim senhora, Donald Sutherland numa invocação bárbara e barbística de Karl Marx, um romance ligeiro entre Fiennes e uma bela rapariga. Só que o anterior herói do povo recusa-se a aceitar a nova sociedade em que não há leite nem pão e as mulheres usam burcas, e é enviado para um campo de concentração estranhamente semelhante com um retiro budista. Ui.

Até aqui, tirando os flashes de Fiennes a escrever a história num quarto branco e imagens de elefantes na savana, a correrem, a serem eletrocutados, etc, isto parece um filme normal. A partir do momento em que Fiennes entra no quarto 12… É de deixar o maxilar descair até o nível dos joelhos. Até ao final, abrupto. E saímos da sala a pensar no que foi tudo aquilo, e vamos para casa a pensar naquilo… o que é aquilo?

Apesar da imagem estar cheia de grão, e se notar que Edwards não perdia nada com algumas aulinhas de técnica de realização (fala a rota para o remendado de veludo), mas… há histórias que conseguem fazer-nos esquecer desse tipo de coisas.

A banda sonora portentíssima, uma montagem um bocadinho mtv demais, mas perdoável pela sensação bad trip que nos deixa, Ralph Fiennes abafado por Sutherland, acho eu…

Grandes momentos? Todos. Estou a lembrar-me da cena do editor dos filmes de Maximiliano II, e a pensar se os estúdios não gostariam de ver o método aplicado a alguns trabalhadores mais resistentes (topem a referência intelectual à screenwriters’ strike) … é delicioso por todos os pormenorzinhos que tem, é impossível abarcá-los todos só de uma vez, embora agora tenhamos de esperar que saia em DVD – esperemos que saia em DVD -, ou mais rápido, sacá-lo, ou até, o esforço supremo, fazer o download na Internet mediante o pagamento de uma pequena taxa, com a esperança que nessa altura uma percentagem vá parar ao bolso do argumentista (olhem outra vez a referência…) – que é o próprio realizador, Robert Edwards.

Vamos ver o que aí vem, se ele não desanima com as críticas malvadas e demoníacas da crítica americana, é arriscado fazer um filme ofensivo para gregos e troianos. Eu vou estar à espera. Até estou a pensar em me oferecer como assistente de realização, servir-lhe uns cafés… aposto que, quando ele for famoso, vão todos morrer de inveja. Ah ah ah. Mua-ah-ah. Sim, corram para vê-lo. Não sei como, mas esforcem-se. E depois emprestem, ok? Jocas distopicamente gordas de burca e cabelo rapado.

1 comentário:

Kelita disse...

outra vez o riso maléfico! desta vez no final da crítica! começou como um riso normal... mas em pequenos segundos... Puff!
hum... tenho medo! LOL